Recursos próprios da Poesia: Métrica, Ritmo e Rima
O que é o fazer poético? Ou melhor, o que consideramos poesia? O que a define como um dos gêneros textuais? Para Duarte[1] os versos de Carlos Drummond de Andrade são adornados de rara beleza, e, por isso, revelam a arte do fazer poético. Um dos exemplos que utiliza para sua argumentação é Procura da Poesia:
Não faças versos sobre acontecimentos.
Não há criação nem morte perante a poesia.
Diante dela, a vida é um sol estático,
não aquece nem ilumina.
As afinidades, os aniversários, os incidentes pessoais não contam.
Não faças poesia com o corpo,
esse excelente, completo e confortável corpo, tão infenso à efusão lírica.
Tua gota de bile, tua careta de gozo ou dor no escuro
são indiferentes.
Não me reveles teus sentimentos,
que se prevalecem de equívoco e tentam a longa viagem.
O que pensas e sentes, isso ainda não é poesia.
Não cantes tua cidade, deixa-a em paz.
O canto não é o movimento das máquinas nem o segredo das casas.
Não é música ouvida de passagem, rumor do mar nas ruas junto à linha de espuma.
O canto não é a natureza
nem os homens em sociedade.
Para ele, chuva e noite, fadiga e esperança nada significam.
A poesia (não tires poesia das coisas)
elide sujeito e objeto.
Não dramatizes, não invoques,
não indagues. Não percas tempo em mentir.
Não te aborreças.
Teu iate de marfim, teu sapato de diamante,
vossas mazurcas e abusões, vossos esqueletos de família
desaparecem na curva do tempo, é algo imprestável.
Não recomponhas
tua sepultada e merencória infância.
Não osciles entre o espelho e a
memória em dissipação.
Que se dissipou, não era poesia.
Que se partiu, cristal não era.
Penetra surdamente no reino das palavras.
Lá estão os poemas que esperam ser escritos.
Estão paralisados, mas não há desespero,
há calma e frescura na superfície intata.
Ei-los sós e mudos, em estado de dicionário.
Convive com teus poemas, antes de escrevê-los.
Tem paciência, se obscuros. Calma, se te provocam.
Espera que cada um se realize e consume
com seu poder de palavra
e seu poder de silêncio.
Não forces o poema a desprender-se do limbo.
Não colhas no chão o poema que se perdeu.
Não adules o poema. Aceita-o
como ele aceitará sua forma definitiva e concentrada
no espaço.
Chega mais perto e contempla as palavras.
Cada uma
tem mil faces secretas sob a face neutra
e te pergunta, sem interesse pela resposta,
pobre ou terrível que lhe deres:
Trouxeste a chave?
Repara:
ermas de melodia e conceito
elas se refugiaram na noite, as palavras.
Ainda úmidas e impregnadas de sono,
rolam num rio difícil e se transformam em desprezo.
Não há criação nem morte perante a poesia.
Diante dela, a vida é um sol estático,
não aquece nem ilumina.
As afinidades, os aniversários, os incidentes pessoais não contam.
Não faças poesia com o corpo,
esse excelente, completo e confortável corpo, tão infenso à efusão lírica.
Tua gota de bile, tua careta de gozo ou dor no escuro
são indiferentes.
Não me reveles teus sentimentos,
que se prevalecem de equívoco e tentam a longa viagem.
O que pensas e sentes, isso ainda não é poesia.
Não cantes tua cidade, deixa-a em paz.
O canto não é o movimento das máquinas nem o segredo das casas.
Não é música ouvida de passagem, rumor do mar nas ruas junto à linha de espuma.
O canto não é a natureza
nem os homens em sociedade.
Para ele, chuva e noite, fadiga e esperança nada significam.
A poesia (não tires poesia das coisas)
elide sujeito e objeto.
Não dramatizes, não invoques,
não indagues. Não percas tempo em mentir.
Não te aborreças.
Teu iate de marfim, teu sapato de diamante,
vossas mazurcas e abusões, vossos esqueletos de família
desaparecem na curva do tempo, é algo imprestável.
Não recomponhas
tua sepultada e merencória infância.
Não osciles entre o espelho e a
memória em dissipação.
Que se dissipou, não era poesia.
Que se partiu, cristal não era.
Penetra surdamente no reino das palavras.
Lá estão os poemas que esperam ser escritos.
Estão paralisados, mas não há desespero,
há calma e frescura na superfície intata.
Ei-los sós e mudos, em estado de dicionário.
Convive com teus poemas, antes de escrevê-los.
Tem paciência, se obscuros. Calma, se te provocam.
Espera que cada um se realize e consume
com seu poder de palavra
e seu poder de silêncio.
Não forces o poema a desprender-se do limbo.
Não colhas no chão o poema que se perdeu.
Não adules o poema. Aceita-o
como ele aceitará sua forma definitiva e concentrada
no espaço.
Chega mais perto e contempla as palavras.
Cada uma
tem mil faces secretas sob a face neutra
e te pergunta, sem interesse pela resposta,
pobre ou terrível que lhe deres:
Trouxeste a chave?
Repara:
ermas de melodia e conceito
elas se refugiaram na noite, as palavras.
Ainda úmidas e impregnadas de sono,
rolam num rio difícil e se transformam em desprezo.
Para a estudiosa, a última estrofe representa com intensidade a linguagem poética, aquela em que o artista, lançando mão da matéria-prima que constitui seu labor, cria, reconstrói uma realidade, por meio de um trabalho especial com a própria palavra. E lança mão de palavras de Cassiano Ricardo, para quem “a poesia é uma ilha cercada de palavras por todos os lados”. Discorda Drummond, que alarga a reflexão ao afirmar que “se ermas de melodia e conceito elas se refugiam na noite, rolam num rio difícil”, ou seja, palavras são pontes para os sentimentos e reflexões e não representam a sim mesmas, não podem ser esvaziadas de sentido.
Mas, como fazer poesia? E é trabalho, a poesia? Esse “trabalho especial com a linguagem”, de acordo com Duarte, “se dá por meio de uma criteriosa seleção e combinação de sons, de ritmo, de melodia”, os recursos próprios da poesia. E sons, ritmo e melodia são aspectos poéticos “que se manifestam, sobretudo, pelo uso de alguns recursos considerados formais, dada a presença também de outros, de ordem estilística”.
Métrica: o que é isso?
Métrica é a quantidade de sílabas poéticas que um verso apresenta. Diz-se “escandir um verso” quando se intenciona “medi-lo de acordo com o número de sílabas poéticas que apresenta”. Mas lembre: sílabas poéticas não necessariamente se assemelham com sílabas gramaticais, visto que na escansão o verso é considerado como um todo, como se fosse uma única palavra. Ao observar este aspecto, “as sílabas são separadas de acordo com a intensidade com que são pronunciadas, sendo que a contagem se encerra sempre na última sílaba tônica”, pois quando há encontro de duas vogais átonas, “ocorrerá uma espécie de ditongo dentro do verso – o que permite que elas pertençam a uma única sílaba”.
Não é muito importante, mas de acordo com o número de sílabas que apresentam, os versos recebem distintas classificações como: monossílabos, dissílabos, trissílabos, tetrassílabos, pentassílabos (ou redondilha menor), hexassílabos (heroico quebrado), heptassílabos (redondilha maior), octossílabos, eneassílabos, decassílabos (medida nova), hendecassílabos e dodecassílabos (ou alexandrinos).
Ritmo
Explorada a métrica, podemos observar mais um dos recursos próprios da poesia: o Ritmo. E, neste caso, há um consenso: não se pode prescindir de ritmo quando se trata de poesia. Sobre este aspecto, Duarte afirma que:
“Contextualizando-nos à época modernista, verificamos que muitas das criações ali presentes são destituídas de métrica (versos livres), bem como de rimas (verso bancos). Mas não há como negar: um poema pode perfeitamente ser constituído de tais aspectos, a depender da época em que foi construído, mas o que ele não pode deixar de ter chama-se ritmo – a grande marca desta modalidade textual”.
Conceitualmente, o ritmo de um poema é determinado pela “alternação uniforme de sílabas tônicas (fortes) e não tônicas (fracas), dispostas em cada verso de uma composição poética, bem como pelos recursos utilizados pelo poeta e pela forma como ele os organiza dentro de seu texto”. Lembrar que todo poeta pretende produzir efeito no leitor ajuda a compreender o sentido de burilamento, de busca de palavras, de ritmo, de métrica, de rima.
Poemas possuem “ritmos próprios” uma vez que evidenciam as intenções do poeta. Um exemplo é Canção do vento e da minha vida, de Manuel Bandeira, no qual ele utiliza-se da aliteração para, através da repetição do fonema /v/, marcar, evidenciar, revelar o “som decorrente do ato de varrer”:
O vento varria as folhas,
O vento varria os frutos,
O vento varria as flores…
E a minha vida ficava
Cada vez mais cheia
De frutos, de flores, de folhas.
O vento varria as luzes,
O vento varria as músicas,
O vento varria os aromas…
E a minha vida ficava
Cada vez mais cheia
De aromas, de estrelas, de cânticos.
[...]
Para concluir, a Rima:
É a rima que, em
muito, “demarca o ritmo do poema”, conferindo a musicalidade e a melodia
necessárias ao que se considera poesia. Talvez a rima seja o recurso próprio da
Poesia que mais seja identificado com o fazer poético, com o resultado de uma produção.
Se há rima, é poesia, diz o senso comum.
Mas, o que é rima?
Para Duarte, a rima “se caracteriza
pela semelhança sonora das palavras, podendo ser retratada no final ou no
interior dos versos e em posições variadas” Um exemplo do uso de rima (alternada)
em um escrito poético se encontra em Lembrança
de morrer, de Álvares de Azevedo:
Se uma lágrima as pálpebras me inunda,
Se um suspiro nos seios treme ainda,
Se um suspiro nos seios treme ainda,
É pela virgem que sonhei!... que nunca
Aos lábios me encostou a face linda!
Aos lábios me encostou a face linda!
Em Soneto
de fidelidade, do Vinícius de Moraes, há rima Interpoladas ou cruzadas:
De tudo, ao meu amor serei atento
Antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto
Que mesmo em face do maior encanto
Dele se encante mais meu pensamento
[...]
E há ainda rimas denominadas “emparelhadas”
e “mistas”, que apresentam outros tipos de combinações como nos versos de
Ferreira Gular:
Vagueio campos noturnos
Muros soturnos
Paredes de solidão
Sufocam minha canção.
Leia Poesia.
Leia os poetas brasileiros.
Eles têm muito a nos dizer sobre rima, ritmos, métrica.
E sobre emoções, sentimentos, humanidade...
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