sábado, 9 de julho de 2016

Dos poemas que mais gosto

Dos poemas que mais gosto, um é especial. É o Poeminho do Contra, escrito pelo Mário Quintana. Considero-o a síntese de uma filosofia de vida. Muitas vezes, na minha própria, fui animada por ele. Ouça:

"Todos esses que aí estão
Atravancando meu caminho,
Eles passarão…
Eu passarinho!"

Mas há outros em minha curta vida de leitora. Um deles, O apanhador de desperdícios, de Manuel de Barros, meu dizedor predileto:

"Uso a palavra para compor meus silêncios.
Não gosto das palavras
fatigadas de informar.
Dou mais respeito
às que vivem de barriga no chão
tipo água pedra sapo.
Entendo bem o sotaque das águas
Dou respeito às coisas desimportantes
e aos seres desimportantes.
Prezo insetos mais que aviões.
Prezo a velocidade
das tartarugas mais que a dos mísseis.
Tenho em mim um atraso de nascença.
Eu fui aparelhado
para gostar de passarinhos.
Tenho abundância de ser feliz por isso.
Meu quintal é maior do que o mundo.
Sou um apanhador de desperdícios:
Amo os restos
como as boas moscas.
Queria que a minha voz tivesse um formato
de canto.
Porque eu não sou da informática:
eu sou da invencionática.
Só uso a palavra para compor meus silêncios".

O mail lindo?
Talvez Tratado geral das grandezas do ínfimo.

A poesia está guardada nas palavras — é tudo que eu sei.
Meu fado é o de não saber quase tudo.
Sobre o nada eu tenho profundidades.
Não tenho conexões com a realidade.
Poderoso para mim não é aquele que descobre ouro.
Para mim poderoso é aquele que descobre as insignificâncias (do mundo e as nossas).
Por essa pequena sentença me elogiaram de imbecil.
Fiquei emocionado.
Sou fraco para elogios.

Laia os poetas brasileiros. Leia Manoel de Barros e Mario Quintana. Eu leio!

Um comentário:

  1. o meu preferido é este que vou digitar abaixo... não sei o porquê, mas na minha adolescência foi um dos mais lido por mim.
    Bjjs Cris

    NOITE DE INVERNO

    Sonho que estás à porta...
    Estás — abro-te os braços! — quase morta,
    Quase morta de amor e de ansiedade.
    De onde ouviste o meu grito, que voava,
    E sobre as asas trêmulas levava
    As preces da saudade?

    Corro à porta... ninguém! Silêncio e treva.
    Hirta, na sombra, a Solidão eleva
    Os longos braços rígidos, de gelo...
    E há pelo corredor ermo e comprido
    O suave rumor de teu vestido,
    E o perfume sutil de teu cabelo.

    Ah! se agora chegasses!
    Se eu sentisse bater em minhas faces
    A luz celeste que teus olhos banha;
    Se este quarto se enchesse de repente
    Da melodia, e do dano ardente
    Que os passos te acompanha:

    Beijos, presos no cárcere da boca,
    Sofreando a custo toda a sede louca,
    Toda a sede infinita que os devora,
    — Beijos de fogo, palpitando, cheios
    De gritos, de gemidos e de anseios,
    Transbordariam por teu corpo afora...

    Rio aceso, banhando
    Teu corpo, cada beijo, rutilando,
    Se apressaria, acachoado e grosso:
    E, cascateando, em pérolas desfeito,
    Subiria a colina de teu peito,
    Lambendo-te o pescoço...

    Estrela humana que do céu desceste!
    Desterrada do céu, a luz perdeste
    Dos fulvos raios, amplos e serenos;
    E na pele morena e perfumada
    Guardaste apenas essa cor dourada
    Que é a mesma cor de Sírius e de Vênus.

    Sob a chuva de fogo
    De meus beijos, amor! terias logo
    Todo o esplendor do brilho primitivo;
    E, eternamente presa entre meus braços,
    Bela, protegerias os meus passos,
    — Astro formoso e vivo!

    Mas... talvez te ofendesse o meu desejo.
    E, ao teu contato gélido, meu beijo
    Fosse cair por terra, desprezado.
    Embora! que eu ao menos te olharia,
    E, presa do respeito, ficaria
    Silencioso e imóvel a teu lado.

    Fitando o olhar ansioso
    No teu, lendo esse livro misterioso,
    Eu descortinaria a minha sorte...
    Até que ouvisse, desse olhar ao fundo,
    Soar, num dobre lúgubre e profundo,
    A hora da minha morte!

    Longe embora de mim teu pensamento,
    Ouvirias aqui, louco e violento,
    Bater meu coração em cada canto;
    E ouvirias, como uma melopéia,
    Longe embora de mim a tua idéia,
    A música abafada de meu pranto.

    Dormirias, querida...
    E eu, guardando-te, bela e adormecida,
    Orgulhoso e feliz com o meu tesouro,
    Tiraria os meus versos do abandono,
    E eles embalariam o teu sono,
    Como uma rede de ouro.

    Mas não vens! não virás! Silêncio e treva.
    Hirta, na sombra, a Solidão eleva
    Os longos braços rígidos de gelo;
    E há, pelo corredor ermo e comprido,
    O suave rumor de teu vestido
    E o perfume sutil de teu cabelo...


    © OLAVO BILAC
    In Poesias (Alma Inquieta), 1888

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