domingo, 9 de março de 2025

Pluralidade étnico-racial na escola

 


Pelo fim do improviso: uma prática pedagógica que valorize a pluralidade étnico-racial na escola e fora dela.

Cristina Maria Rosa

Resumo: No texto convido pedagogas e pedagogos a estarem atentos para que todos tenham acesso a conhecimentos básicos tidos como fundamentais para a instituição de novas relações étnico-raciais no exercício profissional. 




Com o tema “Reconhecimento, Justiça e Desenvolvimento”, entra em vigor de 1º de janeiro de 2025 a 31 de dezembro de 2034, a segunda Década Internacional para os Afrodescendentes. A decisão foi adotada, por consenso, em 17 de dezembro de 2024, na 79ª Assembleia Geral das Nações Unidas. A renovação, de acordo com comunicado conjunto dos ministérios da Igualdade Racial e das Relações Exteriores do Brasil, representa uma nova oportunidade para que afrodescendentes possam usufruir plena e efetivamente dos benefícios do desenvolvimento sustentável e de todos os seus direitos humanos (por Tania Regina Pinto, 2024[1]).

 

A Pedagogia vem sendo convidada, desde 2004, a implementar sua capacidade de compreender a importância das questões relacionadas à diversidade étnico-racial. Concomitante a sua sólida formação na área específica de atuação, o objetivo é que lide positivamente com estas questões e, sobretudo, crie estratégias pedagógicas que possam auxiliar a reeducar pessoas. Assim, nós, pedagogas e pedagogos, devemos estar atentos para que todos, além de ter acesso a conhecimentos básicos tidos como fundamentais para a vida integrada à sociedade e exercício profissional competente, recebam formação que os capacitem para forjar novas relações étnico-raciais.

Professores qualificados para o ensino das diferentes áreas de conhecimentos nos anos iniciais, o convite é para que sejamos sensíveis e capazes de direcionar positivamente as relações entre pessoas de diferentes pertencimentos étnico-raciais, no sentido do respeito e da correção de posturas, atitudes e palavras.

Tarefa que deve ser abraçada pela Pedagogia desde que o Parecer CNE/CP 03/2004 deu argumentos para a instituição da LEI Nº 10.639, de 9 de janeiro de 2003, é importante destacar que não se trata de mudar um foco etnocêntrico por outro e, sim, ampliar a capacidade de os currículos escolares abarcarem a diversidade cultural, racial, social e econômica de e em nosso país. E é por isso que cabe a cada um de nós, professores e professoras, incluir no contexto dos estudos e atividades desenvolvidos diariamente na escola, as contribuições histórico-culturais dos povos indígenas e dos descendentes de asiáticos, além das de raiz africana e europeia.

Mas, prioritariamente, o que se deseja, a partir das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana é que se repensem relações étnico-raciais, sociais, pedagógicas, procedimentos de ensino, condições oferecidas para aprendizagem, objetivos tácitos e explícitos da educação oferecida pelas escolas

 

Formação e trabalho na escola

A Pedagogia pode e deve capitanear a implantação dessas Diretrizes nas escolas. Primero, porque é nesta licenciatura que se formam os profissionais que vão atuar nos primeiros níveis de escolaridade – na Educação Infantil e no Ensino Fundamental. É neste tempo de viver em grupo na escola que nossos bebês, crianças bem pequenas, crianças pequenas e crianças até 12 anos incompletos apendem valores, sentido ético, respeito. E todos os outros preceitos, normas, regras, juízos e conceitos constituidores da vida em sociedade. Assim, cabe à Pedagogia dar o pontapé inicial na formação integral e não-preconceituosa para as relações étnico-raciais, em especial à inclusão de estudo das histórias dos povos que integram a formação cultural brasileira: africanos, asiáticos, europeus e os povos indígenas.

Mas, a Pedagogia não atua apenas na formação de crianças. Ela está integrada, como estrutura curricular, em todas as demais licenciaturas e, desse modo, pode e deve implementar nelas, o estudo, a compreensão, a validação e as alternativas metodológicas das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana. Na escola, outro local em que a presença de Pedagogas/os é intensa e importante, cabe à/ao profissional promover, através da Coordenação Pedagógica, a formação para a implantação de estratégias pedagógicas de valorização da diversidade, a fim de superar a desigualdade étnico-racial presente na educação escolar brasileira, nos diferentes níveis de ensino.

Reconhecer a necessidade e a premência de políticas educacionais e trabalhar no sentido de implantá-las, quando existentes, é envolver-se com a certeza de que direitos sociais, civis, culturais e econômicos são para todos. A valorização da diversidade significa gritar que somos melhores porque somos brasileiros descendentes dos povos indígenas, de asiáticos, africanos e europeus. Essa pluralidade reconhecida e afirmada na escola requer mudança nos discursos, raciocínios, lógicas, gestos, posturas, modo de tratar as pessoas.

 

Tarefas

Uma das tarefas, com certeza, é conhecer a história e cultura de cada um desses povos; em especial, trabalhar cotidianamente para desconstruir o mito da democracia racial na sociedade brasileira. A Lei 10.639/2003, que estabelece a obrigatoriedade do ensino de história e cultura afro-brasileiras e africanas em todos os níveis e modalidades da Educação Brasileira completou 21 anos em 2014. Adulta, forte, alterou a Constituição Federal e a LDB (Lei 9.394/1996) e seu ideal é a divulgação e produção de conhecimentos, a formação de atitudes, posturas e valores que eduquem cidadãos orgulhosos de seu pertencimento étnico-racial para interagirem na construção de uma nação democrática, em que todos, igualmente, tenham seus direitos garantidos e sua identidade valorizada. É sobre esse orgulho que se trata o exercício profissional da Pedagogia! Estima, autoestima e respeito à integridade do eu, do outro e de todos nós é o que move nossa professoralidade. O direito a nos reconheceremos na cultura nacional, expressarmos visões de mundo próprias, manifestarmos com autonomia individual e coletiva nossos pensamentos é a estrutura mental e emocional de existência no público, em especial, na escola, um direito humano subjetivo.

Escolas devidamente instaladas e equipadas, orientados por professores qualificados para o ensino das diferentes áreas de conhecimentos e com formação para lidar com as tensas relações produzidas pelo racismo e discriminações, sensíveis e capazes de conduzir a reeducação das relações entre diferentes grupos étnico-raciais é o que move a existência dessa tão importante lei. Condições materiais das escolas e de formação de professores são elementos indispensáveis para uma educação de qualidade, para todos.

 

Pelo fim do improviso...

Para obter êxito na apresentação, estudo, validação e implementação dessa lei, a escola e seus professores não podem improvisar. Têm que desfazer a mentalidade racista e discriminadora secularmente instituída e superar o etnocentrismo europeu, reestruturando relações étnico-raciais e sociais, desalienando processos pedagógicos.

Mas, para que essas políticas se implementem realmente, não podemos nos ater a discursos repletos de palavras. No intuito de compreender desigualdades sociais, econômicas, educativas e políticas, é necessário nos capacitarmos ouvindo estudiosos que analisam, criticam e propõem.

É com “pedagogias” de combate ao racismo e a discriminações que podemos nos cercar de atitudes vinculadas às leis para atuar: na escola, com pares e demais colegas na cidade. Mas, ainda e sempre, com nossos filhos, família ampliada, amigos e amigas.

As proposições pedagógicas de combate ao racismo e a discriminações devem ser elaboradas com o objetivo de fortalecer entre todos, asiáticos, indígenas, negros e brancos a consciência das influências, das contribuições, da participação e importância de sua história e cultura no jeito de ser, viver e de se relacionar com as demais pessoas.

Por fim, necessário um processo de reconhecimento, por parte do Estado, da sociedade e da escola, da dívida social que todos temos em relação aos segmentos não brancos da população, possibilitando desse modo, uma tomada de posição explícita contra o racismo e a discriminação racial.

 

Para saber mais...

Para compor esse texto, tive acesso (li, estudei, pensei sobre, citei) a alguns documentos, entre eles, os seguintes documentos:

1.     Convenção da UNESCO de 1960, direcionada ao combate ao racismo em todas as formas de ensino, disponível em: < CONVENÇÃO Nº 169 DA OIT>.

2.     Conferência Mundial de Combate ao Racismo, Discriminação Racial, Xenofobia e Discriminações Correlatas de 2001, disponível em: https://brasil.un.org/pt-br/150033-declara%C3%A7%C3%A3o-e-plano-de-a%C3%A7%C3%A3o-de-durban-2001.;

3.     Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana. Brasil, MEC, 2004;

4.     LEI Nº 10.639, de 9 de janeiro de 2003, que altera a Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, para incluir no currículo oficial da Rede de Ensino a obrigatoriedade da temática "História e Cultura Afro-Brasileira", e dá outras providências;

5.     Parecer CNE/CP 3/2004, sobre as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana, aprovado em 10/3/2004;

6.     RESOLUÇÃO Nº 1, de 17 de junho de 2004, do CONSELHO NACIONAL DE EDUCAÇÃO que institui Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana.



[1] Artigo intitulado Afrodescendência, uma questão, está disponível em https://primeirosnegros.com/afrodescendencia/.

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