quarta-feira, 5 de fevereiro de 2025

Ana, um conto rural

 


Ana

Cristina Maria Rosa

 

Ontem eu visitei a Ana. Ela não mora só. Airton, o pai, e Daniela, a mãe, também moram lá. Mais a Nonna – que gosta de uvas brancas – e o Nonno Ailor, que cuida das ovelhas e faz vinho.

Quando eu cheguei, a Ana decidiu me apresentar sua criação de galinhas. Primeiro vimos três pintinhos. Um branco, um malhado e um preto. Eles moram em uma gaiola de passarinhos, de dia. E dentro de casa, à noite.

Gostam tanto da Ana que passeiam com ela pelo sítio. No colo e nos ombros. De vez em quando, voam. O Airton, pai da Ana, disse que se eles caírem, podem quebrar as patinhas e, então, a Ana solta os pequenos pelo chão.

Só um pouquinho.

Logo depois, recolhe e os guarda na gaiola. Nela, tem água e alimento.

Esqueci de dizer que cada pintinho é do tamanho de uma mão. Mão da Ana, não a minha, que é maior. E lembrei que a Ana consegue carregar os três no colo, bem juntinhos. Eu, quando os peguei, percebi que estavam com o papo cheio e bem quentinhos.

Depois que conhecemos os filhotes, fomos em direção ao galinheiro grande: nele havia sol, sombra das árvores, uma casinha bem reforçada e muitos galos, galinhas e alguns filhotes. Cada um de um tipo: prateados, brancos, pretos e marrons; alguns arrepiados, outros com penas macias como veludo; alguns com franja nos olhos, alguns de pescoço pelado.

Aí, sim, foi uma festa!

A Ana me apresentou um a um.

Passava por uma porta com tranca, abria a tranca, ia lá dentro do galinheiro, buscava alguém, me apresentava.

Se tinha nome, dizia.

Se não tinha nome, dizia que não tinha.

A Aninha, um galinho garnisé do qual a Ana mais gosta, dança quando ela chama o seu nome. Ele é o preferido porque, desde pequeninho, foi confundido. Ele é “ele”, mas tem nome de “ela”, Aninha. Eu peguei a aninha no colo e parece que ela ficou minha amiga.

A Aninha é uma galinha-anã. Ela é bem menor que as galinhas que existem aqui no meu sítio. Apesar de ser bem pequeninha, a Aninha tem tudo que as demais galinhas têm: penas, asas, dois pés com quatro dedos em cada, bico, crista, olhos e vontade de voar.

Ela só tem vontade...

Não consegue, mas tenta!

Depois que fui apresentada a todas as galinhas, galos e filhotes que vivem no galinheiro dos Cantelli, fomos conhecer os novos vinhedos. E os tomates, a plantação de melancia, mandioca, feijão e chuchu. No caminho, a Ana ia me mostrando cada uma e perguntando:

– Tu gostas de chuchu?

– Viste as melancias?

Quando chegamos no vinhedo, a Ana logo me direcionou para as uvas brancas, suas preferidas. Primeiro, desconfiamos que a Nonna já havia colhido tudo. E foi um susto pensar que não haveria nem um cachinho para experimentar...

Mas, logo depois, a Ana encontrou. E escolheu um cacho. Como ela ainda é criança e não alcança os frutos que ficam lá no alto da parreira, eu colhi e dei para ela. Em seguida, escolhi um cacho para mim.

E fomos adiante: comendo, conversando e olhando as demais uvas...

Todas as outras uvas – pretas, como a Ana chama – estavam prontinhas para serem colhidas. Tinha Isabel, Bordô, Carmem...

É que estamos na Vindima, o tempo da colheita dos frutos das videiras aqui na serra gaúcha. E a família da Ana planta, cuida, colhe e vende as uvas. Mas, também, faz vinho e suco de uva, presenteia amigos com cachos deliciosos e ensina como se deve fazer para obter uvas saudáveis e cachos repletos.

Esqueci de dizer que bem no comecinho de nosso passeio, logo depois que eu conheci os três pintinhos que vivem na casa da Ana, eu ganhei dela uma flor.

Eu trouxe comigo esta flor e a coloquei em minha mesa de estudo. Ela é linda! Suas pétalas são de cor rosa pertinho do miolo e vermelha, na parte externa. O miolo tem pequeninhas florezinhas amarelas. Quando a Ana me presenteou, eu disse a ela que havia flores como essa no jardim da minha Nonna Elvira, lugar que eu visitava quando era pequeninha.

Aí eu senti que a Ana, com seus curiosos olhos azuis, ficou me olhando, me observando...

Pensei: será que a Ana acreditou? Ou ela imagina que eu já nasci adulta?

Ao fim desse passeio, voltamos sobre nossos passos e, além de ganhar um chuchu, fomos ver as ovelhas. Elas são divididas em dois grupos: os filhotes e os adultos. Mas todos vivem no mesmo quintal e são gordinhos.

O gato da Ana – que tem casa iluminada, galopa como um potro e sobe em árvores –, andava por ali, interessado em saber quando iria ganhar colo. A Ana entendeu. E trouxe o gatinho para perto. Como tu sabes, eu adoro felinos. Aqui em casa há quatro, três fêmeas e o Nonninho, um gato muito manhoso que prefere carne crua, toma leite e não recusa carinho.

Com o gato da Ana – que agora não lembro mais o nome, mas é todo preto com umas partezinhas brancas –, falei como se ele entendesse a minha língua. E dei umas amassadinhas em suas orelhas e nuca. Parece que ele gostou...

Como eu te disse lá no início, ontem eu estive no sítio da família Cantelli. Eles vivem na comunidade São Pedro, bem pertinho dos Caminhos de Pedra, aqui em Bento Gonçalves.

Hoje, estudando, descobri que esta família tem até um livro registando suas histórias. Nesse livro, conheci o Gioachino, o primeiro Cantele que chegou, em 1881, no interior do Município. Vindo da Comune di Breganze, província italiana di Vicenza, Gioachino Cantele foi “rebatizado”, quando chegou ao brasil. Passou a ser conhecido como Joaquim Cantelli.

Ele e sua esposa, Maria Teresa, tiveram oito filhos: Maria, Matteo, Fortunata, Angela, Giovani, Amália, Antonio e Giovana. Como essas pessoas ficaram velhinhas e não mais estão vivas, são os novos da família que podem contar as histórias.

No livro sobre a família Cantelli, uma das herdeiras contou quase tudo.

Quase...

Agora que a Ana, minha amiga Cantelli está aprendendo a ler e escrever, quem sabe ela não conta mais coisas? Eu gostaria de ler...

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