segunda-feira, 21 de março de 2022

Sobre a leitura

 


Sobre a Leitura, uma entrevista

Cristina Maria Rosa

A partir de uma pesquisa realizada em Pelotas em março de 2022, cujo tema era a leitura e os leitores, o Diário Popular, através do Jornalista Leon Sanguiné, enviou a mim um e-mail. Nele, um convite a pensar sobre a leitura em Pelotas. Mas, junto da mensagem, uma acurado estudo sobre a leitura e o perfil de leitores em Pelotas.

Após ler suas palavras, decidi escrever a s repostas. Conheça abaixo, na íntegra, o que respondi ao Leon, a quem agradeço a oportunidade de pensar.

O e-mail recebido:

 

Olá, professora!

Segue o relatório e as perguntas. A senhora pode também acrescentar o que achar importante para além delas. Obrigado!

1. O que é possível tirar de positivo e de preocupante dentro dos dados apresentados?

2. Quais os principais caminhos para a formação de público leitor em Pelotas?

3. De que forma esses caminhos foram se alterando com o passar do tempo? Qual a importância da tecnologia nessa formação de público leitor?

 

As perguntas e as repostas

DP: O que é possível tirar de positivo dos dados apresentados?

 

Cristina Maria Rosa: De positivo, primeiro, a pesquisa ter sido feita, com certeza. Tema sempre mencionado como sinônimo de cultura (de uma pessoa, de uma família, de um povo), a leitura nem sempre é uma prática onde deveria: em casa, na escola, na universidade, no trabalho; ou seja: em todos os lugares. Embora deva ser cultivada, há um lugar em que a leitura tem protagonismo, ou deveria ter: na escola e desde os primeiros anos de vida. É nela que se aprende o valor da leitura e as diferenciadas formas e funções da leitura. É na escola que se aprende a gostar de ler, caso não se adquira esse prazer em casa. É da escola que se sai apaixonado por escritores, obras, enredos, personagens. É na escola que adquire-se o valor da leitura para toda a vida e suas nuances no cotidiano das pessoas.

Um dado interessante da pesquisa foi a revelação de que a leitura, na zona rural de Pelotas, também é bastante cultivada. Isso se deve, penso, a comunidades em que a cultura escrita é importante. Ó o caso de comunidades religiosas e/ou oriundas de culturas letradas. Na Universidade, algumas pesquisas revelam que pomeranos, franceses, alemães e italianos trouxeram mais que ferramentas de trabalho quando aportaram aqui.

Em segundo lugar no gráfico, a leitura que é feita por pessoas que vivem na zona rural rompe com a ideia de que a leitura ocorre principalmente na cidade e, considerando que a população é bem menor, podemos imaginar que mais pessoas leem no interior. Comparando os dados, essa informação fica explícita:

 

Zona rural

Urbana

22.082 mil habitantes

306.193 mil

59,3% leem

68,1% leem

 

Outro dado interessante é oferecido quando os respondentes indicam as motivações para a leitura: 46,8% indicaram ler para conhecer, aprender, ter crescimento pessoal, atualizarem-se profissionalmente. São pessoas que reconhecem o valor da leitura em suas vidas no sentido pragmático e é inegável que este é um valor.

Para 44,3%, uma quantidade quase igual à anterior, ler e voltar a ler foi indicado como entretenimento e prazer. É um grupo de leitores que migra de leitura (tipo de livro, gênero, editora) desde que convidado a conhecer autores novos, temas instigantes, sagas, séries. Esse leitor parece ter mais tempo livre ou prioriza tempo para o seu prazer.

Embora eu pudesse dizer que ainda poucas pessoas leem, vou me ater ao dado que considero preocupante: o grande grupo de pessoas (57,3%) que lê entre um e quatro livros por ano. Por que é preocupante? Um a quatro livros/ano indica descaso com este modo de atualizar-se, conhecer, aprimorar saberes e, de mesmo modo, um a quatro livros lidos é muito pouco para afirmar que tenho um hábito, um gosto, uma predileção.


DP: 
Quais os principais caminhos para a formação de público leitor em Pelotas?

Cristina Maria Rosa: O “caminho” para a formação de leitores não é árduo, pelo contrário. Se iniciados no tempo certo – a infância – muitos podem vir a se tornar leitores.

O caminho mais seguro, minhas pesquisas indicam, é a alfabetização literária, um processo de apresentação do livro e de seu valor ao bebê, ainda no colo dos seus familiares ou na escola infantil. Esse momento inicial é complementado pelo aprofundamento do contato com o livro que ocorre quando há leituras dos adultos (pais e professores) para e com as crianças.

Além disso, o uso constante e qualificado da biblioteca escolar e a participação em eventos na cidade como ir a sebos e livrarias, fazer passeios orientados à Feira do Livro, frequentar a Biblioteca Pública Pelotense e fruir de Saraus de Poesia e Leitura Literária são complementos na formação do leitor. São esses eventos que indicam ao novo leitor que ela tem valor, é cultivada na cidade, pode ser encontrada para além da escola.

A leitura de jornais – cotidiana ou mesmo apenas nos finais de semana – também é uma prática importante para a formação do leitor que observa, nas páginas – impressas ou de modo on-line – a crônica da cidade, seus acontecimentos e opiniões. É um modo de cultivar o gosto por participar da vida da Cidade, do Estado, do País. Ser um cidadão atuante significa saber o que ocorre, ter opinião, analisar conflitos e se posicionar. A leitura de jornais é a maneira mais organizada que encontramos, como sociedade, para adquirir fluência política, especialmente por ser uma leitura atualizada e diária.

DP: De que forma esses caminhos foram se alterando com o passar do tempo? Qual a importância da tecnologia nessa formação de público leitor?

Cristina Maria Rosa: Sim, é verdade. Com o passar do tempo e com o advento das redes de comunicação que surgiram a partir do desenvolvimento rápido e profundo da tecnologia representada por computadores pessoais e celulares, mas, fundamentalmente, por produtores de conteúdo (blogueiros, jornalistas, youtubers e intelectuais) e redes de compartilhamento (Face book, WhatsApp, Instagran, entre outras) esses caminhos foram se alterando.

Penso que foram se complexificando, ou seja, aos caminhos anteriormente aqui descritos – colo dos familiares, escola, eventos na cidade – foram sendo acrescidas “camadas de valor” ao livro e à leitura. Essas “camadas de valor” não retiraram do livro seu protagonismo. Penso que inserirem nas práticas de leitura mais leitores e diferentes leitores.

Os leitores tradicionais – aqueles que cultuam o livro e a prática prazerosa de ler sempre, não desapareceram. Em suas casas, os novos membros da família são convidados a partilhar estes hábitos e raros são os que não usufruem desses modos de viver. É comum, inclusive, famílias perguntarem a respeito da biblioteca da escola antes de matricularem seus filhos.

No entanto, uma camada significativa da população acessou a leitura de modo “on-line”, o que significa, quase que rigorosamente, no momento em que o “fato” está acontecendo. Mas, esse leitor, capturado pela novidade – da fofoca, da política, da vida de celebridades – passou a querer mais e, editoras e jornais se estruturaram para oferecer mais.

Hoje há muita leitura disponível nas redes e, se soubermos escolher – para isso é necessário termos critérios – encontraremos entretenimento, informações, opiniões, prosa e poesia.

 

Cristina Maria Rosa é Pedagoga, Doutora em Educação e Docente Titular na Licenciatura em Pedagogia da UFPel. Atua, desde 1993 no campo da formação de leitores (crianças, idosos, professores, pais e bibliotecários). Está nas redes nos seguintes links:

@cristina2020rosa

https://youtu.be/Ugd_KibKJRU

https://soundcloud.com/minutosliterarios

http://saladeleituraericoverissimoufpel.blogspot.com/

https://soundcloud.com/primeiraspaginas

 

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