quarta-feira, 5 de janeiro de 2022

Um continho que estava guardado...


Calça cor de creme

Cristina Maria Rosa

 

De manhã, acordava em casa, quase sempre.

No barraco de chão batido, rolava um café e um banho.

Depois, o modelito para o translado: calças cor de creme, camisa colorida – vermelha, quase sempre, amarela, azul ou verde, eventualmente. Raramente, branca.

Em dias especiais, a beca poderia ser composta por um tom – a mais ou a menos – da sempre impecável calça cor de creme. Era bege, para alguns. Cor de caramelo para outros.

Todos já entenderam.

Então, na iminência do ônibus que o levava ao centro – ao trabalho – em uma banca ali pertinho, adquiria o jornal.

Todos os dias.

Qual jornal? Não recordo.

Mas lia, no ônibus.

Todinho.

Mesmo.

Sabia o que ocorria na capital, nos bairros da cidade, alguma coisa de Brasília...

Sabia dos empregos que, nos classificados, empresas ofertavam. Tanto que um dia se foi.

Se apresentou na capital. Fez teste ao vivo e...

Deu um show!

Quando voltou, alguns poucos anos depois, contava barbaridades. Todos duvidavam.

Ele? Jornal embaixo do braço ao chegar no velho e bom emprego, calças impecavelmente frisadas, oferecia com algum desdém: alguém quer ler?



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