Um grupo de pesquisa
Cristina Maria Rosa
Graça Paulino, há dois anos, fechou os olhos e não
mais abriu. Foi um choque para todos que a amávamos e a queríamos perto. Séria,
rindo, irônica, brava, concentrada, lendo, brincando com seus cães, apreciando
um café da manhã com ovo e iogurte, no almoço uma galinha caipira com couve e
um espumante ou vinho no Bem Bom, de qualquer jeito ou a qualquer hora era a
Graça que queríamos ter perto. Foi muito bom viver e sempre é alentador lembrar
detalhes, momentos, frases, olhares e o tom de voz que ficou impresso na
memória de quem, como eu, teve o privilégio de tê-la.
Graça foi minha orientadora em um momento muito
especial. Com ela descobri quem sou na "coluna vertebral" que sustenta a
pesquisa científica sobre e leitura literária no Brasil. Por ela me tornei uma
pesquisadora mais focada, mais voltada à Pedagoga que sempre fui, mais
comprometida com a escola e as crianças que nela circulam.
Para homenagear Graça, para mantê-la perto, lembrada,
amada, nós que a conhecemos reunimos memórias. Dela e sobre ela. Algumas, já
publiquei; outras, ainda pretendo. Em julho, no dia dois, Rildo me enviou uma
cartinha. Ele escreveu:
Cristina,
Entrei de férias e
resolvi fazer uma limpa em velhas pastas de arquivo. Eis que encontrei este
texto que Graça escreveu e não sei se publicou em algum lugar. Talvez lhe
interesse, talvez você já o tenha. De qualquer maneira, segue. Abraço, Prof.
Rildo Cosson. Programa de Pós-Graduação em Letras – UFPB.
Emocionada por ter sido lembrada como destinatária e
pela delicadeza de Rildo, publico aqui a terceira parte do presente recebido.
3. O Grupo de Pesquisas de Literatura Infantil e Juvenil do CEALE
No ano de 1994, se organizou, no CEALE, o Grupo de
Pesquisas de Literatura Infantil e Juvenil, a partir de uma iniciativa das
professoras da Faculdade de Educação da UFMG, Maria Therezinha Bedran e Aracy
Evangelista, juntamente com Heliana Brina, professora da UFOP. Ivete Walty e eu
fomos convidadas a integrar o Grupo, no final do mesmo ano de 1994, como
professoras recém-aposentadas da Faculdade de Letras da UFMG, interessadas pelo
objeto de pesquisa escolhido.
Optamos por iniciar um levantamento crítico dos
critérios de avaliação de literatura infantil – poesia e prosa - que tivessem
aceitação por parte da crítica literária em geral, mas que pudessem ser
acessíveis aos professores das séries iniciais da Educação Básica. Nesse
ínterim, passariam também a integrar o Grupo Maria Zélia Versiani Machado,
mestranda em Teoria Literária e professora da rede estadual de ensino de
Sabará, Aparecida Paiva, professora da FAE, recém-doutora em Literatura
Comparada, e Vera Lúcia Casa Nova, professora de Letras. Contávamos ainda com
três bolsistas de Iniciação Científica. A aposentadoria de Therezinha Bedran
logo a afastaria do Grupo, e o interesse de Vera Casa Nova pela Semiótica a
faria tomar outros rumos de trabalho.
Os outros participantes nos fixamos nos objetivos
dessa primeira pesquisa, cujos resultados, além do Relatório Final, se
socializaram com a publicação pela Editora Formato, em 1996, de um Caderno CEALE, intitulado Leitores e textos em construção, com
artigos de Aracy Evangelista, Ivete Walty e Zélia Versiani. No ano anterior de
1995, o Grupo organiza o primeiro "Jogo do Livro Infantil", encontro
acadêmico que se propunha discutir as instâncias de produção e recepção do
livro para crianças no País. Foram convidados a participar de mesas redondas ou
a apresentar palestras especialistas conhecidos nacionalmente na pesquisa,
escritura, ilustração, editoração, divulgação, mediação escolar e leitura. Como
resultado, sairia, através da Editora Dimensão, um livro por mim organizado, O Jogo do livro infantil – textos selecionados para a atualização de
professores, com tiragem de 10 mil
exemplares, compondo a "Coleção Lendo e Ensinando", da mesma Editora
de Belo Horizonte. Dentre os autores estão, por exemplo, Bartolomeu Campos
Queirós, Fanny Abramovich, Glória Bordini, Magda Soares, Regina Zilberman, Vera
Casa Nova e Terezinha Taborda Moreira, professora da PUC-Minas, a qual passa a
integrar o Grupo no final do ano 2000, como, como também dois professores do
Centro Pedagógico da UFMG, Adelina Martins Mendes e Marcelo Chiaretto.
Em 1996 tornara-me professora do setor de Linguagem
da Faculdade de Educação da UFMG. Como tinha completado o Doutorado em 1990, e
já orientara cinco dissertações em Letras, fui credenciada para compor o quadro
docente da Pós-Graduação em Educação, a partir de 97. Em 1998, iniciei o
trabalho de orientação no Doutorado, com Eliana Borges Albuquerque, da UFPE, e
Hércules Tolêdo Corrêa, do UNIBH. A primeira pesquisadora analisa a recepção de
propostas de renovação curricular, especialmente na área de leitura literária,
pelos professores da rede municipal de ensino do Recife. O segundo compara as
leituras de duas narrativas, uma francesa e outra brasileira, por estudantes de
faixas etárias e formações culturais diferentes. Em 1999, comecei a orientar
também a tese de Maria Zélia Versiani, que pesquisou a recepção de livros
consagrados pela crítica especializada por parte de alunos de uma escola
privada destinada à "classe A" e por alunos de uma escola pública da
periferia de Belo Horizonte. Na mesma linha, no nível de Mestrado, Isabel Gomes
Ribeiro comparou dois programas governamentais de incentivo à leitura
literária, o PROLER e o PROLEITURA, tentando analisar seus pressupostos
ideológicos e estéticos manifestados em documentos e práticas.
Antes disso, no próprio ano de 1997, o Grupo
organizaria o segundo "Jogo do Livro Infantil", tornado encontro
bienal, que teve, nesta versão, como tema, a escolarização da leitura
literária, suas estratégias e seus efeitos. Houve nele a participação de
Anne-Marie Chartier, pesquisadora francesa que proferiu palestra sobre os
saberes que a leitura literária envolve, contextualizando suas reflexões em
torno da ficção científica que foi lida na França durante o século XIX. Em
1999, como resultado desse encontro acadêmico, publicar-se-ia o livro
intitulado A escolarização da leitura
literária, pela Editora Autêntica, organizado por Aracy Evangelista,
Heliana Brina e Zélia Versiani. Com a saída de Ivete Walty, o grupo ficaria
restrito, entre 1998 e 1999, a cinco participantes: as três citadas mais
Aparecida Paiva e eu. Em 2000 se afastaria Heliana Brina, o que fez com que a
organização do terceiro "Jogo" ficasse sob a responsabilidade apenas
de quatro pesquisadoras. Propusemos que a temática abrangesse a questão da
diversidade de suportes, gêneros e leituras característica do final do século.
Desse Encontro surgiria um terceiro livro, No
fim do século: a diversidade, por nós organizado, publicado pela Editora
Autêntica, tendo como autores Ana Elizabeth Lopes, André Brasil, Aparecida
Paiva, Aracy Evangelista, Graça Paulino, Hércules Toledo Corrêa, Ivete Walty,
Luciana Sander, Márcia Abreu, Maria Teresa Freitas, Solange Jobim, Sônia Kramer
e Zélia Versiani.
Durante os anos de 1997 e 1998, desenvolvemos uma
pesquisa empírica de grande extensão, envolvendo os professores de Português em exercício na
rede municipal de ensino de Belo Horizonte. O objetivo era traçar o perfil
desses possíveis leitores literários, analisando a relação entre seu acesso a
livros na infância, sua formação literária e seu gosto pela leitura literária
no presente. Foram aplicados 138 questionários, atingindo 20% do total de
professores. Apresentado na ANPED em setembro de 98, o trabalho seria também
publicado no periódico Educação em
Revista, da FAE, com o título "A formação de professores leitores
literários: uma ligação entre infância e idade adulta?". Resultaria também
dessa pesquisa inicial um aprofundamento significativo, realizado no trabalho
de doutorado de Aracy Evangelista, que ampliou as bases teórico-metodológicas e
a confiabilidade de conclusões levantadas no primeiro momento de reflexão do
Grupo, do qual a pesquisadora desde 1994 continuou participando ativamente, sem
interromper suas produções integradas, mesmo no período de afastamento
temporário das atividades docentes.
Enquanto isso, desde 1997 o Grupo se tornaria um dos
jurados responsáveis por delimitar o quadro especial de produções literárias
consideradas altamente recomendáveis para crianças e jovens, segundo critérios
estabelecidos pela Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil, representante
brasileiro do IBBY – International Board
on Books for Young People – um braço literário da UNESCO para selecionar
internacionalmente produções de qualidade dentre materiais impressos no mundo
inteiro para leitores jovens. Num contexto de situação democrática do País, a
Fundação assume importante função e sentido, diferentes do de 68. Na verdade,
esse trabalho com a FNLIJ deu continuidade a outro, de 1996, quando, a convite
da ALB, desenvolvemos uma análise crítica da produção literária para crianças
no Brasil, com o objetivo de compor acervos de qualidade em escolas públicas de
Ensino Fundamental.
Alguns membros do Grupo têm participado também de
programas de capacitação de professores do MEC, da Secretaria de Estado da
Educação de Minas Gerais, de secretarias municipais, especialmente no que diz
respeito ao trabalho com a diversidade de textos, nas instâncias de produção e
recepção, sempre tendo a preocupação de atuar no sentido de auxiliar a formação
de leitores literários. Um convênio
estabelecido com o PROLER nesse sentido permitiu que essas atividades se
multiplicassem.
Durante o ano de 2000, desenvolvemos parte de um
projeto de pesquisa comparativa que procurava semelhanças e diferenças na
produção literária para jovens no Brasil e em outros países, com o objetivo de
verificar alcances e limites do processo de globalização cultural,
especificidades de propostas de leitura implícitas nas estruturas dos textos,
nas estratégias editoriais e nas interações literárias possibilitadas pelos
processos sociais e estéticos contemporâneos. Essa pesquisa será desenvolvida
por Maria Zélia Versiani, como parte de suas atividades ligadas a Bolsa de
Recém-Doutor na PUC Minas.
Nossas publicações, individuais e coletivas, nossas
participações em congressos nacionais e internacionais, nossas visitas a
escolas e bibliotecas de variados níveis e sistemas, nossas iniciativas de
aperfeiçoamento, orientação, ensino, pesquisa e extensão demonstram que o
Grupo, alinhado aos direcionamentos da linha de pesquisa que integra, tem se
firmado de forma produtiva no trabalho acadêmico e social voltado para as
questões do letramento literário no País. A partir de 2001, explicitando essa
amplitude de ações, passaria a denominar-se Grupo de Pesquisa do Letramento
Literário –GPELL- , do CEALE
Ainda em 2001, preocupados em pensar a literatura no
cotidiano da escola brasileira, optamos por apresentar ao CNPQ o Projeto
“Letramento literário no contexto da biblioteca escolar”, que foi aprovado e
financiado. Após dois anos envolvidos nessa pesquisa integrada, estamos encerrando-a
em agosto deste ano corrente, e propondo outra que nos ocupará no próximo
biênio. A professora da PUC Minas Terezinha Taborda deixa o Grupo, enquanto
nele se insere Rildo Cosson, novo professor de Educação e Linguagem da FaE
UFMG, não por acaso com doutoramento em Literatura Comparada, num momento em
que as interfaces se ampliam e se aprofundam, podendo tornar-se já um
considerável objeto de estudos acadêmicos.
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