APRESENTAÇÃO
Cristina Maria Rosa
Há um bom tempo
tenho observado avós e seus netos. Pensado em como essa relação tem se
modificado e, em algumas circunstâncias, desaparecido. E no significado dessa
figura tão forte em famílias como a minha. A força, acredito, advém da condição
de herdar e legar que só avós possuem.
Herdar é receber,
apropriar-se. Herdar é conter. Legar é distribuir, disponibilizar. Dar sem
limite, sem parcimônia, sem reserva.
Avós, para mim, são
pontes entre o que tempo em que não existíamos e o tempo em que não mais
existiremos, a não ser na memória de nossos descendentes, se os tivermos. Avós
embalam seus próprios sonhos quando nos veem nascer e nos embalam em seus colos
quando já plenos de maternidade e paternidade. Em um romance de Fiódor
Dostoiévski – Gente Pobre, editado pela 34 em 2009 – uma avó é assim descrita:
Vivíamos sossegados, Várienka; eu
e minha falecida senhoria, já velhinha. E é dessa minha velha que agora me
lembro com um sentimento de tristeza! Era uma boa mulher e não cobrava caro
pelo quarto. Estava sempre tricotando mantas de retalhos diferentes com agulhas
de tricô de um archin de comprimento; essa era a sua única ocupação. Até a luz
nós partilhávamos, de modo que trabalhávamos à mesma mesa. Ela tinha uma netinha,
Macha –me lembro dela ainda criança –, a menina deve ter agora uns treze anos.
Era tão levada, alegre, fazia-nos rir o tempo todo; e era assim que vivíamos os
três. Durante os longos serões de inverno, costumávamos nos sentar a uma mesa
redonda, tomar nosso chá, e depois nos pôr a trabalhar. E a velha, para
entreter a Macha e para que a travessa não faça folia, se põe a contar historias.
E que histórias! Não só uma criança, até uma pessoa sensata, inteligente, se
deixa enredar de tal modo que esqueço completamente do trabalho. E a própria
criança, a nossa traquinas, fica pensativa; escolar a bochechinha rosada na mãozinha,
abre sua linda boquinha e, se a história inspira um pouco de medo, não vai se
agarrando toda na velha. Para nós, então, que prazer era olhar para ela; em
reparamos que a velinha está derretendo, nem percebemos que a nevasca às vezes
recrudesce do lado de fora e varre a tempestade de neve (Dostoiévski, 2009, p. 21-22).
Eu, como quase
todos, tive duas avós. No meu caso, nonnas. Nonna Elvira e Nonna Maria. Duas
bravas mulheres que, a seu modo, criaram os que me antecederam. Sei delas por
ouvir falar e por conviver.
Ao conversar com
minhas tias longevas, recentemente, em uma data familiar, percebi que nenhuma
de nós possui as mesmas memórias dessas mulheres que são nossos modelos de como
se portar no mundo: com os outros, com filhos, sobrinhos e netos. Assim que
decidi convidar netas e netos a escreverem sobre seus avós.
Indiscriminadamente. No convite, enviei uma foto inspiradora: um neto,
observado pelo avô, mexendo um tacho com banha de porco. São integrantes de uma
família italiana que vive em um pequeno município na serra gaúcha. Eu os
conheço e admiro. Na foto, o avô ensina, o neto ensina, eu aprendo.
Para este livro,
também, convidei avós e avôs a escreverem sobre o nascimento de seus netos. O
Gilberto Ghizzo escreveu tão lindamente que coloquei suas palavras como
prefácio. Quando tu fores ler, vais entender por que fiz essa escolha...
No livro tu
encontras as memórias de alguns de meus familiares, de alguns de meus amigos e
amigas, de alguns jovens que hoje são meus alunos na Universidade. São os que
se aventuraram a transformar emoções em palavras.
A
ordem dos textos que integram o livro é a da recepção: na medida em que os
recebia, foram inseridos no sumário: do mais longevo ao mais recente, imitando a
ordem da vida: primeiro os avós, depois nós que, um dia, quem sabe, seremos
avós também...
Esse livro eu quero ler!!!
ResponderExcluir