quarta-feira, 26 de junho de 2019

E nossas avós? um livro de memórias

APRESENTAÇÃO
Cristina Maria Rosa

Há um bom tempo tenho observado avós e seus netos. Pensado em como essa relação tem se modificado e, em algumas circunstâncias, desaparecido. E no significado dessa figura tão forte em famílias como a minha. A força, acredito, advém da condição de herdar e legar que só avós possuem.
Herdar é receber, apropriar-se. Herdar é conter. Legar é distribuir, disponibilizar. Dar sem limite, sem parcimônia, sem reserva.
Avós, para mim, são pontes entre o que tempo em que não existíamos e o tempo em que não mais existiremos, a não ser na memória de nossos descendentes, se os tivermos. Avós embalam seus próprios sonhos quando nos veem nascer e nos embalam em seus colos quando já plenos de maternidade e paternidade. Em um romance de Fiódor Dostoiévski – Gente Pobre, editado pela 34 em 2009 – uma avó é assim descrita:

Vivíamos sossegados, Várienka; eu e minha falecida senhoria, já velhinha. E é dessa minha velha que agora me lembro com um sentimento de tristeza! Era uma boa mulher e não cobrava caro pelo quarto. Estava sempre tricotando mantas de retalhos diferentes com agulhas de tricô de um archin de comprimento; essa era a sua única ocupação. Até a luz nós partilhávamos, de modo que trabalhávamos à mesma mesa. Ela tinha uma netinha, Macha –me lembro dela ainda criança –, a menina deve ter agora uns treze anos. Era tão levada, alegre, fazia-nos rir o tempo todo; e era assim que vivíamos os três. Durante os longos serões de inverno, costumávamos nos sentar a uma mesa redonda, tomar nosso chá, e depois nos pôr a trabalhar. E a velha, para entreter a Macha e para que a travessa não faça folia, se põe a contar historias. E que histórias! Não só uma criança, até uma pessoa sensata, inteligente, se deixa enredar de tal modo que esqueço completamente do trabalho. E a própria criança, a nossa traquinas, fica pensativa; escolar a bochechinha rosada na mãozinha, abre sua linda boquinha e, se a história inspira um pouco de medo, não vai se agarrando toda na velha. Para nós, então, que prazer era olhar para ela; em reparamos que a velinha está derretendo, nem percebemos que a nevasca às vezes recrudesce do lado de fora e varre a tempestade de neve (Dostoiévski, 2009, p. 21-22).

Eu, como quase todos, tive duas avós. No meu caso, nonnas. Nonna Elvira e Nonna Maria. Duas bravas mulheres que, a seu modo, criaram os que me antecederam. Sei delas por ouvir falar e por conviver.
Ao conversar com minhas tias longevas, recentemente, em uma data familiar, percebi que nenhuma de nós possui as mesmas memórias dessas mulheres que são nossos modelos de como se portar no mundo: com os outros, com filhos, sobrinhos e netos. Assim que decidi convidar netas e netos a escreverem sobre seus avós. Indiscriminadamente. No convite, enviei uma foto inspiradora: um neto, observado pelo avô, mexendo um tacho com banha de porco. São integrantes de uma família italiana que vive em um pequeno município na serra gaúcha. Eu os conheço e admiro. Na foto, o avô ensina, o neto ensina, eu aprendo.
Para este livro, também, convidei avós e avôs a escreverem sobre o nascimento de seus netos. O Gilberto Ghizzo escreveu tão lindamente que coloquei suas palavras como prefácio. Quando tu fores ler, vais entender por que fiz essa escolha...
No livro tu encontras as memórias de alguns de meus familiares, de alguns de meus amigos e amigas, de alguns jovens que hoje são meus alunos na Universidade. São os que se aventuraram a transformar emoções em palavras.
A ordem dos textos que integram o livro é a da recepção: na medida em que os recebia, foram inseridos no sumário: do mais longevo ao mais recente, imitando a ordem da vida: primeiro os avós, depois nós que, um dia, quem sabe, seremos avós também... 

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