terça-feira, 26 de janeiro de 2016

Literatura na primeira infância: uma das brincadeiras possíveis

A literatura, na infância, pode ser compreendida como uma brincadeira, tanto quanto a música, a dança e o teatro, entre outras manifestações e possibilidades do fazer humano. O que a distingue das demais artes é seu vínculo profundo com a aprendizagem da linguagem, oral e escrita, um dos valores fundantes de nossa humanidade. É pela linguagem e, especialmente pela língua  (conjunto organizado de sons e gestos que possibilitam a comunicação em um grupo) que nos diferenciamos das demais espécies e nos tornamos o que somos: seres sociais, que usam da razão para inventar e registrar a história.
É pela linguagem, essa capacidade que nós humanos temos de produzir, desenvolver e compreender a língua e outras manifestações (a literatura, a pintura, a música, a dança, entre outras) que nos diferenciamos e singularizamos. Embora apenas oral e/ou gestual em algumas culturas, a maioria dos grupos sociais desenvolveram formas aprimoradas de comunicação, sistemas complexos e regrados e, além disso, investiram em criações estéticas, o que conhecemos como arte literária ou Literatura.
A literatura e seus representantes – livros, autores, gêneros, procedimentos – necessita de mediadores qualificados, que podem ser familiares ou professores. Estes, devem conhecer o valor das obras, ou seja, ter critérios para escolhê-las e ofertá-las aos pequenos, em casa ou na escola.
Se a literatura é uma brincadeira como pintar, dançar, cantar, desenhar, esculpir, pode ser ofertada espontaneamente, esporadicamente e aleatoriamente?
Infelizmente, não.
A literatura demanda planejamento, critérios, atitudes e intervenções, uma vez que oferece, através de seus conteúdos e formas, arte e pensamento.
Essa oferta – arte e pensamento – são os traços conformadores da humanidade em nós, são as matrizes da racionalidade e da emoção, o que nos torna o que estamos sendo como espécie, os elementos fundantes de nossa adaptação, como espécie, no planeta e no tempo dos humanos.
Todos sabemos que não estamos sós. Habitamos um planeta que já foi gelado, envolto em gases, ocupado por répteis gigantes, dominado por inúmeras e diferentes espécies. Um planeta que tem milhões, bilhões de anos. Nele, nossa fugaz existência é recente. Somos primatas adaptados que, nesse trajeto, o da adaptação, inventamos a emoção e a razão. A literatura, então, esse peculiar modo de conviver com a finitude e fazer de conta que não, ainda não, é a forma mais evoluída que temos para aceitar que somos, também, animais em extinção.
As palavras, evidências de nossa humanidade, tornam-se, cada vez mais rapidamente, pontes. Em torno delas, as mais variadas paisagens indicam de onde viemos e para onde desejamos ir. Escrever, então, é deixar marcas. Pegadas, como as encontradas pelo personagem Levain, de O planeta dos Macacos (2015, p.27), em sua primeira incursão em Soror, um dos planetas de Betelgeuse – estrela de primeira grandeza da Constelação de Órion. Essas marcas, datadas, indicam nossa passagem pela linguagem – o tanto próximos que estamos dela – em um tempo único: o ano de 2016, que rapidamente de esvai, como areia fina nas mãos.
As histórias, inventadas, passam a existir pelas palavras. Cada uma delas, oriundas de outras palavras também inventadas é cotidianamente escolhida para produzir mais e mais: palavras, sentidos, inventos. Escrever, então, é inventar, emocionar, permanecer.
A literatura, mesmo na idade adulta é uma brincadeira: com regras que posso escolher, com personagens que decido conhecer, com emoções que busco reiterar, com questões que temo/desejo enfrentar. A literatura é o melhor de nós, pois anuncia, reflete e enterra a humanidade. É melhor que nós, cada um de nós, pois transmuta em permanências essa “humanidade enterrada”.
Se a literatura é um brinquedo, se ela precisa ser organizada para que todos joguem, o que nos cabe, como professores?

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