segunda-feira, 6 de julho de 2015

Crianças pequenas e a linguagem: Construção do sentido e a aquisição

Cristina Maria Rosa

Cada vez mais cedo em nossa sociedade a tarefa de receber e inserir crianças na aquisição, organização e aprimoramento da “faculdade cognitiva exclusiva da espécie humana” (BAGNO, 2014) – a linguagem – tem sido de responsabilidade dos professores e cuidadores nas escolas infantis.
Quando chegam, os pequenos, com meses de vida, balbuciam, resmungam, dão gritinhos, sorriem, choram. São tentativas de representar e expressar simbolicamente sua experiência de vida. Neste momento, mesmo sem saber, contam com os representantes maduros da espécie que, supostamente, possuem experiência para inseri-los no experimento que é a aquisição da linguagem oral.
Individual do ponto de vista interior (das estruturas necessárias para a aquisição) e social, do ponto de vista da cultura disponível, o pequeno exemplar humano depende da qualidade das interações para o seu desenvolvimento. Essa dependência é vital: quanto mais elaborada a linguagem ofertada pelo adulto, mais qualificado é o processo de aquisição, internalização, confronto e expressão do que sente o pequeno.
Ao “adquirir, processar, produzir e transmitir conhecimento” (BAGNO, 2014, 192), ou seja, ao ouvir e perceber as ações e reações dos adultos aos seus primeiros sinais de comunicação, a criança é apresentada ao processo mais bem acabado do que conhecemos como adaptação: o pensamento e a linguagem. Neste processo individual mediado, os demais representantes experientes da espécie funcionam como espelho. É o adulto (mãe, professor, médico) que tem a chave de acesso ao conhecimento (o que é falar/o que é calar), do tempo (quando falar/quando calar), do espaço (onde falar/calar) e causalidade (por que e para que falar/calar).
Internamente, é a partir de reflexos inatos (que todos temos) mediados pela inteligência (que possuímos ao nascer) e pelas interações culturais (a experiência do grupo social no qual a criança nasce) que as Sinapses[2] passam a responsabilizar-se por nossa educação humana, ou seja, trabalham, a partir de estímulos, para tornar um bebê – indefeso e precariamente organizado para se comunicar ao nascer – em um adulto experiente. Essas sinapses precisam de alimento e, assim como nosso corpo, refletem o tipo, frequência e qualidade do estímulo que recebem.
As teses do epistemólogo suíço Jean Piaget (1896-1980) indicam que o desenvolvimento cognitivo é construído a partir do biológico[3]. Assim, a inteligência começa a se organizar por meio de reflexos inatos e são atos de adaptação ao meio físico, exterior, ao universo do indivíduo. Para ele, a capacidade cognitiva é que constrói mentalmente as estruturas capazes de serem aplicadas às do meio e, assim, a criança constitui sua inteligência através da interação com o mundo, com e através dos esquemas mentais que possibilitam apreender a realidade. Para Piaget (1975), ainda, a construção das capacidades intelectuais ocorre por estágios e, em cada um deles, a criança desenvolve um conjunto de esquemas cognitivos que lhe possibilita compreender o mundo e atuar sobre ele, ou seja, manifestar-se, falando ou calando.
Assim como seu contemporâneo Jean Piaget, Lev Semenovitch Vygotsky (1896-1934) foi um cientista que buscou conhecer os processos de formação da inteligência (o pensamento e a linguagem, preponderantemente). Para el, é nos primeiros meses de vida (primeira infância ou fase pré-intelectual) que algumas funções sociais da fala se tornam aparentes: a criança tenta atrair a atenção do adulto por meio de sons diferenciados, em variados tons e intensidades. Intenta, com isso, obter retorno a suas demandas: organizar o pensamento, comunicar-se, falar, expressar, simbolizar.
Observa-se – a partir dos estudos de Vygotsky, (1991) – que aproximadamente até os dois anos, as crianças possuem um pensamento pré-lingüístico e uma linguagem pré-intelectual, ou seja, há desconexão entre o que se faz, pensa, fala. A partir daí, eles se encontram e se unem, iniciando um novo tipo de organização do pensamento e da linguagem.
Nos estudos de Piaget esse período inicial é nomeado de sensório-motor ou da inteligência prática. Período que abrange do zero aos dois anos de idade, nele o conhecimento relaciona-se com as ações que, por sua vez, são coordenadas pelas percepções. Ao longo do período, o bebê e/ou a criança pequena constrói/apreende uma série de conceitos imprescindíveis à evolução das capacidades intelectuais, como, por exemplo, a permanência do objeto, a capacidade de imitação e representações mentais cada vez mais complexas, que a tornam capaz de atividade cognitiva futuras, entre elas a capacidade de representação mental dos objetos. É nesse momento que se evidencia, nas crianças, o pensamento verbal, mediado por conceitos relacionadas à linguagem e a fala racional, com função simbólica, generalizante. É nesse momento que as crianças descobrem que cada objeto tem seu nome. A fala, então, começa a servir ao intelecto e os pensamentos começam a ser verbalizados. Assim, segundo Vygotsky, o desenvolvimento do pensamento é determinado pela linguagem, pelos instrumentos lingüísticos do pensamento e pela experiência sócio-cultural da criança.
O segundo estágio do desenvolvimento intelectual é denominado por Piaget de Pré-operatório e ocorre dos dois aos sete anos de idade. Caracteriza-se pela elaboração da relação de causalidade e das simbolizações, ou seja, a criança reduz a dependência das diversas sensações e ações motoras. Outra característica desse tempo, de acordo comas teses de Piaget é o egocentrismo, caracterizado pela impossibilidade do pequeno de observar o mundo da perspectiva dos demais, do outro.
É no estágio pré- operacional que ocorre a passagem do plano da ação para o plano da representação, o que é caracterizado pelas primeiras condutas simbólicas. Neste estágio ocorre o aparecimento da linguagem, da brincadeira simbólica e da imitação que se dá na ausência do modelo. Gradual, esse processo de transformação do nível das ações para o nível da constituição das operações mentais, prepara o infante para a construção das operações lógicas elementares e marca, de acordo com Piaget, o início da linguagem. De acordo com Dias (2010),

O surgimento da linguagem parece apresentar estreitas relações com os aspectos cognitivos. A teoria piagetiana sugere que o desenvolvimento linguístico depende do desenvolvimento da inteligência, sendo considerado uma forma de representação desta última. Para o teórico, o desenvolvimento cognitivo que irá possibilitar o nascimento do simbolismo (DIAS, 2010, p. 7).

Por ser uma faculdade cognitiva exclusiva da espécie humana, a linguagem – capacidade de expressar o que pensamos, sentimos, observamos, aprendemos – depende de experiência. Assim, ao interagir com crianças pequenas, entre os primeiros meses de vida e os cinco anos, cabe ao educador nomear e o mundo, dando sentido às demandas dos pequenos, oferecendo a eles o universo conceitual disponível, especialmente pela linguagem verbal em sua forma oral não coloquial e em sua forma escrita, preponderantemente, uma vez que é para aprendê-la que as crianças ingressam na escola.

Sugestões de Leitura:
BAGNO, Marcos. Linguagem. Glossário CEALE. Belo Horizonte: UFMG/CEALE/FaE, 2014. Disponível em: http://ceale.fae.ufmg.br/app/webroot/glossarioceale/
DIAS, Fernanda. O desenvolvimento cognitivo no processo de aquisição de linguagem. Letrônica, Porto Alegre v.3, n.2, p.111, dez./2010. Disponível em: http://revistaseletronicas.pucrs.br/ojs/index.php/letronica/article/viewFile/7093/5931
KOLL, Marta de Oliveira. Vygotsky: Aprendizado e desenvolvimento: um processo sócio-histórico. São Paulo: Scipione, 2010.




[1] Pedagoga, Mestre e Doutora em Educação, Pós-Doutora em Estudos Literários na Educação (UFMG, 2011) coordena o GELL – Grupo de Estudos em Leitura Literária; é Líder do GPELHL - Grupo de Pesquisa Escritas, Leitores e História da Leitura (CNPq, 2009) e Coordena o Núcleo Sul em Prosa e Verso, que integra o movimento Brasil Literário.
[2] Processo de comunicação entre as células nervosas – Neurônios – responsáveis por todas as nossas sensações, sentimentos, pensamentos,  respostas motoras e emocionais, a aprendizagem e a memória. São os neurônios que, continuamente coletam informações sobre o estado interno do organismo e de seu ambiente externo, avaliam essas informações e coordenam atividades apropriadas à situação e às necessidades atuais da pessoa. As sinapses são trocas – via impulsos nervosos. As sinapses são processos químicos de interação. A interação é efetuada pela liberação de substâncias químicas chamadas neurotransmissores, que promovem mudanças excitatórias ou inibitórias, ou seja,  permitem que as células do cérebro "conversem entre si". Foi a evolução/adaptação do corpo humano desenvolveu um grande número desses mensageiros químicos para facilitar a comunicação interna e a transmissão de sinais dentro do cérebro. Quando tudo funciona adequadamente, as comunicações internas acontecem sem que sequer tomemos consciência delas.
[3] Para Piaget, o conhecimento é gerado através de interações do sujeito com o meio, a partir das estruturas existentes. Assim, a aquisição de conhecimentos depende tanto das estruturas cognitivas do sujeito como de sua relação com os objetos de conhecimento.

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