quarta-feira, 24 de junho de 2015

Pensar e expressar: relações entre Pensamento e Linguagem na primeira infância

O pensamento precede a expressão? A fala organiza o pensamento? O que é pensamento? E linguagem? Há diferença entre linguagem verbal e não verbal? Essas e outras questões estão imbricadas quando se busca saber como interagir com crianças pequenas, entre os primeiros meses de via e a chegada à escola para a alfabetização.
Cada vez mais cedo, educadores têm de saber receber as crianças e desenvolver essa “faculdade cognitiva exclusiva da espécie humana que permite a cada indivíduo representar e expressar simbolicamente sua experiência de vida, assim como adquirir, processar, produzir e transmitir conhecimento” (BAGNO, 2014, 192), a linguagem.
Como “seres muito particulares”, nós humanos produzimos “sentido por meio de símbolos” e cada um desses sinais, signos, ícones, gestos, é neutro, ingênuo, vazio de sentido e cabe à nossa capacidade de linguagem “interpretar o sentido implicado em cada manifestação dos outros membros da nossa espécie” (BAGNO, 2014, 192-193).
Há duas linguagens quando intentamos representar o que pensamos e conhecemos, o que sentimos e desejamos partilhar: a linguagem verbal e a linguagem não verbal. 
Como elas se distinguem?
linguagem verbal é aquela que se expressa por meio da palavra, da língua falada em nossa casa e cidade, em nosso Estado e País. Para Marcos Bagno (2014), “toda linguagem é sempre uma “imitação da língua”, uma tentativa de produção de sentido tão eficiente quanto a que se realiza linguisticamente”. Essa linguagem é o “sistema de signos mais completo, complexo, flexível e adaptável de todos” (BAGNO, 2014, 192-193). A linguagem verbal pode ser oral, escrita ou gestual.
Já a linguagem não verbal é a que “se vale de outros signos, não linguísticos, signos que podem ser dos mais diversos e diferentes tipos: cores, sons, figuras, bandeiras, fumaça, ícones etc. É essa riqueza de possibilidades de representação e expressão que nos permite falar de linguagem musical, linguagem cinematográfica, linguagem teatral, linguagem corporal, linguagem da dança, da pintura, da escultura, da arquitetura, da fotografia, incluindo as linguagens secretas, que exigem o domínio de códigos reservados a poucos iniciados” (BAGNO, 2014, 192-193).

Linguagem e Pensamento
Os estudos de Vygotsky (1991) indicam que o pensamento da criança pequena inicialmente evolui sem a linguagem, constituindo o pensamento pré-lingüístico[1], assim como os seus primeiros balbucios evidenciam uma forma de comunicação sem pensamento ou linguagem pré-intelectual[2].
Nos primeiros meses de vida, na chamada primeira infância ou fase pré-intelectual[3], algumas funções sociais da fala se tornam aparentes: a criança tenta atrair a atenção do adulto por meio de sons diferenciados, em variados tons e intensidades. Busca – e quase sempre consegue – obter retorno a suas demandas: colo, carinho, comida ou mesmo dormir, brincar, ouvir.
Observa-se – a partir dos estudos de Vygotsky, (1991) – que aproximadamente até os dois anos, as crianças possuem um pensamento pré-lingüístico e uma linguagem pré-intelectual, mas a partir daí, eles se encontram e se unem, iniciando um novo tipo de organização do pensamento e da linguagem.
É nesse momento que se evidencia, nas crianças, o pensamento verbal, mediado por conceitos relacionadas à linguagem e a fala racional, com função simbólica, generalizante. È nesse momento que as crianças descobrem que cada objeto tem seu nome.
A fala, então, começa a servir ao intelecto e os pensamentos começam a ser verbalizados. Assim, segundo Vygotsky, o desenvolvimento do pensamento é determinado pela linguagem, pelos instrumentos lingüísticos do pensamento e pela experiência sócio-cultural da criança.

Concluindo...
1.     O pensamento da criança pequena inicialmente evolui sem a linguagem, constituindo o pensamento pré-lingüístico;
2.     Seus primeiros balbucios evidenciam uma forma de comunicação sem pensamento ou linguagem pré-intelectual;
3.     O pensamento precede a expressão, via palavra;
4.     A fala organiza o pensamento;
5.     Pensamento é uma faculdade cognitiva exclusiva da espécie humana;
6.     Linguagem é a capacidade de expressar o que pensamos, sentimos, observamos, aprendemos;
Assim, ao interagir com crianças pequenas, entre os primeiros meses de via e a chegada à escola para a alfabetização, é importante que o educador nomeie o mundo, dando sentido às demandas dos pequenos, oferecendo a eles o universo conceitual disponível.
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Referências:
VYGOTSKY, Lev Semenovich. Pensamento e Linguagem. São Paulo: Martins Fontes, 1991.
BAGNO, Marcos. Linguagem. Glossário CEALE. Belo Horizonte/UFMG: Faculdade de Educação, 2014.




[1] Antes de dominar a linguagem, a criança demonstra capacidade de resolver problemas práticos, de utilizar instrumentos e meios para atingir objetivos. É o que Vygotsky (1991) chamou de fase pré-verbal do pensamento. Nesta fase, a criança é capaz de pegar um brinquedo que caiu atrás de um móvel. É um conhecimento prático que independe da linguagem. A inteligência utilizada para tal é considerada primária e é encontrada também em primatas.

[2] Embora não dominem a linguagem como um sistema simbólico, os pequenos também utilizam manifestações verbais. O choro e o riso têm a função de alívio emocional, mas também servem como meio de contato social e de comunicação. É o que Vygotsky chamou de fase pré-intelectual da linguagem. Essas fases podem ser associadas ao período sensório-motor descrito pelo psicólogo suíço Jean Piaget (1896-1980), no qual a ação da criança no mundo é feita por meio de sensações e movimentos, sem a mediação de representações simbólicas. "É a fase na qual a criança depende de sentidos como a visão para atuar no mundo e se manifesta exclusivamente por meio de sons e gestos, ligados à inteligência prática".
[3] A fase pré-intelectual é composta de pensamento pré-linguístico e linguagem pré-intelectual.

terça-feira, 16 de junho de 2015

Alfabetização Literária

Alfabetização literária: primeiro conceito
Cristina Maria Rosa      

Alfabetização literária é um processo de apresentação do mundo da literatura aos demais: bebês, crianças, adolescentes, adultos, velhos. Para tal, é preponderante a atitude de um mediador – uma pessoa que "estende pontes entre os livros e os leitores" (REYES, 2014). Ao selecionar “livros que fascinam”, os mediadores transformam pessoas em leitores. Leitores de imagens, leitores de textos, leitores de sentidos, leitores de vidas.
A alfabetização literária demanda um futuro leitor, um mediador e um livro. O pretenso leitor está em cada uma das pessoas que ainda não lê por prazer. O mediador, em cada uma daquelas que já descobriram o gosto de ler. Sim, pois ninguém nasce gostando de ler. Nem desgostando. De acordo com Antunes (2013), o gosto pela leitura não é um atributo genético. Precisa ser ensinado, produzido entre os seres humanos [...]".
Graça Paulino (2014) afirma que a leitura literária pressupõe “uma prática cultural de natureza artística, estabelecendo com o texto lido uma interação prazerosa” e é necessário um “pacto entre leitor e texto” que inclui, necessariamente, “a dimensão imaginária”, pois é através dela que “se inventam outros mundos, em que nascem seres diversos, com suas ações, pensamentos, emoções” (p. 177).

Assim, alfabetizar-se requer um sujeito que deseja - o futuro leitor -, um sujeito que ama - o leitor - e um objeto de desejo: o livro. É uma equação simples, tramada através de um pacto. O pacto é vivido no texto não escrito que Bartolomeu Campos de Queirós anunciou desejar conhecer. Para ele, o autor propõe um diálogo que necessita do leitor e este diálogo, esse entendimento, a nova obra que brota da interação autor/leitor é a verdadeira literatura, a obra (no sentido da manufatura) literária. Ao mesmo tempo insondável e experimentação, a obra não escrita revela o literário do pacto. Alfabetizar-se requer, também, vias de mão dupla: eu leio, tu ouves. Tu lês, eu ouço. Queres ler?