Graça Ramos publicou
interessante matéria sobre Abecedários, intitulada "presente para
crianças". Nela, meu trabalho a respeito do Abecedário de Verissimo
foi citado:
"No Brasil, um dos mais antigos leva a autoria do
escritor Érico Veríssimo – sou louca para conhecê-lo. “Meu ABC”, com
ilustrações de Ernest Zeuner, data de 1936. Em trabalho de pós-doutorado na
UFMG, Cristina Maria Rosa localizou apenas um exemplar no Rio Grande do Sul.
Nem mesmo no Instituto Moreira Salles, que guarda o acervo do escritor, existe
essa preciosidade".
Eu fiquei feliz da vida e mandei meu
livro para ela que, ao recebê-lo, escreveu: "Oi, Cristina. Parabéns pela pesquisa. Fiquei muito
curiosa. Lerei com prazer. Abraço, Graça". E loguinho depois: "Já
li. Muito legal. Foi ótima companhia... Mais uma vez, obrigada. Abraço,
Graça". A seguir, a matéria na íntegra. Ao
final, onde você a encontra em O Globo.
Presente
para crianças
Graça
Ramos
O dia das crianças aproxima-se e
resolvi dar sugestões de presentes. Todos abecedários. São livros que
apresentam o ABC quase sempre de maneira lúdica, produto que considero pouco
reconhecido no Brasil. Com eles, garotas e garotos se apropriam do hábito da
leitura, adquirem intimidade com as letras e com os sentidos das palavras.
Há anos, leio abecedários e, para
esse artigo, conversei com a especialista no tema, professora Magda Soares,
titular emérita da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Minas
Gerais (UFMG), uma das mais respeitadas educadoras do País. Colecionadora de
abecedários, ela me provocou ao final da entrevista com uma pergunta:
“quem sabe ainda teremos algum abecedário que seja uma obra de arte e perfeito
linguisticamente e fonologicamente?”. Fica o desafio aos nossos autores e às
editoras.
O desprestígio que esse material,
muito valorizado na Europa e nos Estados Unidos, sofre no País passa por vários
aspectos, entre eles a pequena produção editorial. Segundo Magda, “entre os
livros inscritos no Programa Nacional Biblioteca da Escola, quando este é
voltado para a Educação Infantil e os anos iniciais do Ensino
Fundamental, são raríssimos os abecedários”. Segundo ela, às vezes, nenhum é
inscrito, o que dificulta ou impossibilita incluí-los nos acervos que vão para
as escolas.
Precariedade – A outra ponta do problema, segundo Magda, reside
no fato de que “os professores não reconhecem a contribuição que os abecedários
podem dar ao processo de alfabetização das crianças”. Na opinião da
pesquisadora, isso se deve a essa pequena produção e à conhecida precariedade
na formação de professores alfabetizadores. Diante desse cenário, perdem as
crianças, pois os abecedários muito podem contribuir para a formação e o
divertimento dos pequenos.
Coordenadora do projeto Núcleo de
Alfabetização e Letramento, em Lagoa Santa (MG), Magda ressalta que abecedários
são uma das portas de entrada oferecida à criança para compreender o
sistema alfabético de escrita. “Como sempre apresentam a letra acompanhada de
uma palavra que começa com ela e de um desenho que revela o significado da palavra,
a criança começa a perceber que letras constroem palavras, e representam um som
das palavras”.
Pergunto à professora se há uma
idade ideal para se presentear crianças com um abecedário. Preste atenção
ao que ela diz: “a partir do momento em que a criança demonstra interesse e
curiosidade por material escrito, o abecedário é um bom presente, e isso
ocorre, em geral, já aos dois, três anos”.
Nos Estados Unidos,
por exemplo, são comuns livros com o do título “First 100 words” (Priddy
Books), plastificados e ilustrados com fotografias, que apresentam letras e
palavras para bebês, conhecidos como “board books”. E também pequenos ABCs,
chamados popularmente de “baby’s ABC”. Simples, mas bastante populares.
Diferentes de “Alphabet”, da premiadíssima ilustradora Kvéta Pacovská (Verlag),
lançado em 1996, clássico internacional, construído como narrativa visual das
mais belas, apropriado a qualquer idade.
Na Alta Idade Média,
século IX, os celtas já produziam abecedários, com motivos de
plantas e animais. Na Biblioteca de Dublin (Trinity College), podem ser
encontrados vários exemplares. O artista contemporâneo Damien Hirst lançou seu
ABC ano passado e recebeu muitos elogios da crítica, de arte. No Brasil, um dos mais antigos leva a autoria do escritor
Érico Veríssimo – sou louca para conhecê-lo. “Meu ABC”, com ilustrações de
Ernest Zeuner, data de 1936. Em trabalho de pós-doutorado na UFMG, Cristina
Maria Rosa localizou apenas um exemplar no Rio Grande do Sul. Nem mesmo no
Instituto Moreira Salles, que guarda o acervo do escritor, existe essa
preciosidade. Maiores informações
podem ser acessadas em http://www.sedufsm.org.br/docs/noticia/2014/08/D15-216.pdf.
Os ABCs podem ser
luxuosos ou mais simples, caso de "Abecedário sem juízo" (Livraria
Civilização), de Luísa Ducla Soares, mas o importante é que abram a porta para
a leitura e as invenções. Muitos educadores gostam de trabalhar com o livro de
Ducla, pois, logo após começarem a leitura, as crianças já se mostram dispostas
a inventar seu próprio abecedário. Embora nos Estados Unidos e na Inglaterra
não haja sala de aula sem abecedários, nesses países também é rotineiro o
procedimento de as crianças construírem o seu próprio abecedário.
Provocações – Minha primeira sugestão, então,
será artesanal. Junte-se à criança que deseja agraciar e monte com ela ou para
ela – dependerá da idade do pequeno – um abecedário. Mas, se decidir adquirir
no mercado um exemplar, leve em conta recomendações feitas por estudiosos do
tema. Ele deve ser divertido, criativo, fugir do clichê "isto é
aquilo" ou das quadrinhas muito conhecidas. Evite buscar na leitura
somente ratificação ou reconhecimento direto das letras. E, se o sentido for
educacional, fuja daqueles que em que as letras vêm com muita intervenção
gráfica, que quase escondem a forma da letra, prejudicando a percepção dela
pela criança.
Dos produzidos no Brasil que conheço,
meu clássico é O batalhão das letras, do amado poeta Mario Quintana. Desde que
foi lançado em 1948, já ganhou variadas edições. O primeiro a ilustrá-lo foi
Edgar Koetz, em livro formato paisagem. Depois, recebeu os traços de Eva
Funari, e, em outra edição, de Rosinha. Todas pelo selo Globo e esgotadas nas
livrarias. Recentemente foi relançado, agora com ilustrações de Marília
Pirillo, pela Alfaguara.
As quadras do poeta, recheadas de
humor, estabelecem relações entre letras, palavras e gestos – adoro, por
exemplo, quando ele diz “o K parece uma letra que sozinha vai andando”.
Indicado para crianças em processo de alfabetização, considero que Rosinha foi
a mais feliz das ilustradoras ao captar a essência de Quintana, dotando o livro
de alegria e intensidade peculiares. Marília, na edição atual, apresenta
ilustrações também divertidas, porém de matiz mais contida, cores bem mais
suaves.
Contemporâneos –
Dos autores contemporâneos, existe o “Alfabeto escalafobético – um abecedário
poético” (Jujuba), de Claudio Fragata e Raquel Matsushita. Maluquete como o do
Quintana, seu forte reside em explorar muitas palavras iniciadas com cada letra
do alfabeto associadas a desenhos inusitados. Sobre a letra “N”’ diz “meu navio
de jornal/ navega na enxurrada/ da Avenida Portugal/ É navio ou é nau”. Os
desenhos acompanham graficamente as letras, cujo nome aparece sempre por
extenso na página e depois recriado. Caso de “Efe”, construído com formigas e
sempre presente em texto reiterado pela palavra “fim”.
“ABCenário” (Autêntica), de Alex
Lutkus e Leo Cunha, brinca com objetos que lembram determinadas letras. No caso
do cachimbo de Magrit, os autores juram que é jota, “sem jeito e sem juízo”. Há
algo de surreal nos desenhos, como na lanterna do carro que se transforma em G
(“gostaria de guiar pelo globo/ sem gastar gasolina”). O ilustrador criou as
metáforas visuais e, somente depois, o autor do texto verbal inventou os jogos
de palavra. Nele, se você pensa que a serpente enrolada relaciona-se com a
letra “S”, errou. Ela refere-se ao “Q”, de “quietinha, quietinha... quem
quer?”.
No Prêmio Jabuti a ser anunciado em
novembro concorre, na categoria Ilustração, “Abecedário poético de frutas”
(Rovelle), de Roseana Murray e ilustrações de Cláudia Simões. A escritora
escolheu uma fruta cujo nome começa com uma letra do alfabeto para compor
poemas, residindo apenas aí o jogo de associações. As ilustrações feitas com
primor, na técnica da aquarela, apresentam dicção tradicional. Esse abecedário
se faz temático, como ocorre com “ABC do Brasil”, da premiada Ana Maria
Machado, ilustrado por Gonzalo Cárcamo, que explora as riquezas do País.
Publicado pela SM, o livro faz parte de série que dedica ABCs à África, aos
índios, ao Japão, ao mundo árabe e ao judaico, o último assinado por Moacyr
Scliar.
Para aqueles que gostam de apresentar
novidades digitais para crianças, há o “ABC - Curumim já sabe ler” (Manati),
com ilustrações de Mariana Massarani, organizado por Bia Heztel e Silvia
Negreiros, destinado a Ipad, mas que também pode ser adquirido em formato
impresso. Indicado para crianças a partir dos três anos, como leitura acompanhada,
ele apresenta as letras e palavras com elas iniciadas, juntamente com desenhos,
em diferentes graus de dificuldade.
Sofisticado – “Alfabarte” (Companhia das Letrinhas), de Anne
Guéry e Olivier Dussutour, foi lançado este ano, com tradução de Eduardo
Brandão. A partir de obras de arte de artistas da Idade Média até a
contemporaneidade, os autores perguntam onde está determinada letra na imagem
retratada. Mesmo para quem tem repertório em artes, o livro exige olhar de
detetive, como identificar a letra “L” em “O vagabundo”, de Hieronymus Bosch,
de 1510. Outras são mais simples, caso do “C” em “O corvo querendo imitar a
águia”, de Marc Chagall, de 1947 (imagem acima publicada). Dadas essas dicas,
boa diversão com as letrinhas.
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