quinta-feira, 18 de setembro de 2014

Discurso de Posse na APL - 29/08/2014




ACADEMIA PELOTENSE DE LETRAS
ACADÊMICA: CRISTINA MARIA ROSA

Posse na Cadeira 16
Patrono: Antonio José Gonçalves Chaves
Paraninfa: Gilsenira de Alcino Rangel
Salão de Atos da Academia Pelotenses de Letras
Parque Dom António Zattera, 500
19 horas – 29 de agosto de 2014

 Confrades, autoridades, amigos, familiares, boa noite a todos. É emocionante estar aqui e receber, com o carinho imenso com que foi preparada, cada uma das homenagens que constituem essa cerimônia de posse. Obrigada a todos que se dedicaram a produzir esse momento em minha vida.
Ao tomar posse na Cadeira 16 de Academia Pelotense de Letras, cujo patrono é Antônio José Gonçalves Chaves, tenho por compromisso reapresentá-lo a todos nós. Para tal, recorri a dois estudiosos de nossas letras e costumes: Guilhermino César e Auguste de Saint-Hilaire e a suas obras: História da Literatura do Rio Grande do Sul (1737-1902), publicado pela Editora Globo, em 1956, e Viagem ao Rio Grande do Sul (1820-1821), publicado na Europa em 1887 e, cem anos depois, 1987, de forma completa no Brasil.
Guilhermino César reconhece[1] Gonçalves Chaves como o primeiro “natural da terra” a dar notícias profundamente circunstanciadas da “vida econômica, social e política” da Província e ressaltar o “estágio cultural dos rio-grandenses”. Ao indicar grande preocupação com a falta de escolas de primeiras letras, Gonçalves Chaves produziu um dado biográfico definidor em minha escolha por representá-lo, homenageá-lo, mantê-lo vivo, uma vez que sou eu uma professora de primeiras letras.
Nascido no ano de 1781, em São Tiago d’Ouro, Comarca de Chaves, o filho de Manuel José de Moraes e Izabel Maria Gonçalves chegou solteiro ao Brasil em 1805. De seu lugar de origem, Comarca de Chaves, incorporou mais um sobrenome aos recebidos em batismo. Afirmando, ainda jovem, que tinha apreço pela memória, por ser herdeiro, pelo pertencimento, nomeou-se Gonçalves – da mãe – e Chaves, da comarca onde nascera. Duas mães, a terra e a biológica. Interessante, muito interessante. Este, mais um dos dados de sua biografia que me tornam interessada em conhecê-lo melhor.   
Ao adotar o Brasil para viver e prosperar inventou-se navegador, escritor, político, charqueador. Suas Memórias Ecônomo-Políticas, citadas pelos dois estudiosos, foram publicadas no Rio de Janeiro. Em número de cinco[2], indicam que não era um marinheiro de primeira viagem. Resultado de dezesseis anos de observação e análise das peculiaridades locais do Rio Grande de São Pedro do Sul, produziu um riquíssimo relatório no qual também denuncia o “vazio encontrado na sociedade continentina, quanto à ilustração reclamada por seu crescimento e importância econômica”.
Referido como possuidor de uma “prosa singela”, Gonçalves Chaves registra a ausência de escolas para uma população de pouco mais de “106.000 almas no ano de 1823”. Em suas palavras: “Não nos consta que haja mais de três homens formados, naturais desta Província, e quatro meninos em Coimbra. Esta falta de gosto pelas ciências, não se pode ter, contudo como inaptidão para elas nos naturais” E busca argumentar, indicando que a inaptidão pelas ciências se devia, primeiro, à falta de escolas de primeiras letras[3] e, em segundo, à pouca idade da Província, informando que, apesar da opulência adquirida pelas famílias, estas “lamentavam ver seus filhos, já homens” inabilitados a “entrar em estudos” (1956, p. 68).
Para Guilhermino César, Antonio é um “tramontano da Vila de Chaves” que “radicou-se no Rio Grande em 1805 e, à margem do arroio Pelotas, montou uma charqueada, a mais próspera da capitania no seu tempo”. Guilhermino refere ainda, nestas notas biográficas retiradas das memórias de Gonçalves Chaves, a presença de Saint-Hilaire nesta charqueada.
Outra informação relevante a respeito de Chaves é seu caráter abolicionista, reconhecido pela proposição da extinção do tráfico de escravos e, em longo prazo, a abolição. Segundo relatos, Gonçalves Chaves considerava que “manter escravos num país continental era mais caro do que os alforriá-los e posteriormente tê-los como empregados”. Controversa, a sua proposição? Para a época, revolucionária.
E como registra sua existência quem o conheceu?
 “Margens do Rio Pelotas, 5 de setembro de 1820”. Com essas palavras é que se inicia o relato do conhecimento travado por Saint Hilaire com Antonio José Gonçalves Chaves, o Sr. Chaves. Em uma viagem de Iate que partiu de Rio Grande, o pesquisador europeu narra a passagem pelos canais de navegação da época, chegando ao “rio chamado Pelotas, em cujas margens” estava “situada a residência do Sr. Chaves”. E logo: “A viagem de hoje foi muito agradável. O Sr. Chaves é um homem culto, que sabe latim, francês, com leitura de História Natural e conversa muito bem. Pertence à classe dos charqueadores, fabricantes de carne seca. Os charqueadores compram o gado dos estancieiros; mandam matá-lo e retalhá-lo; a carne é salgada e, depois de seca, vendida aos comerciantes” (Saint-Hilaire (201, p. 79).
A estada de Saint-Hilaire na “Paroquia de São Francisco de Paula”, nossa atual Pelotas, se estendeu por dez dias. A “fotografia” que fez do local é peculiar: “nada mais belo que a região percorrida por nós; oferece vasta planície com alguns pontos ligeiramente ondulados. Por toda parte o terreno apresenta gramados com árvores e bosques esparsos, onde pastam cavalos e bois. Um grande número de belas casas cobertas de telhas aparece aqui e elai, tendo cada uma delas um pomar cercado de valas profundas, protegidas por um renque de bromeliáceas. (...) O aspecto da região recorda tudo que a Europa tem de mais pitoresco: os pomares, onde só se veem árvores novas, e as casas recém construídas dão a essas regiões um ar de frescura e novidade que ainda mais a embeleza” (SAINT-HILAIRE, 1987, p. 80-81).
Em 11 de setembro, há um interessante apontamento no diário de Saint-Hilaire que, incorporado .
Pioneiro da navegação a vapor, Domingos José de Almeida também foi membro do Conselho Geral da Província e segundo deputado mais votado à Primeira Legislatura da Assembléia Legislativa Provincial do Rio Grande do Sul (1835), com o início da Revolução Farroupilha, filiou-se ao lado Republicano. Após o assassinato do preceptor de suas filhas, na Charqueada São João, retirou-se para o Uruguai, onde estabeleceu outra charqueada. Em 1938, faleceu em um naufrágio por causa de um temporal, no Uruguai. Sobrevivendo à Revolução Farroupilha (1835-1845) afastou-se para sua propriedade e daí para Montevidéu, onde montou nova charqueada. Morreu em um naufrágio em 1838.

O legado de Antônio José Gonçalves Chaves: a Charqueada São João
Localizada na Estrada da Costa, 500, às margens do arroio Pelotas, hoje Bairro Areal, a charqueada foi construída em 1810. Em estilo colonial português é uma propriedade ampla, na qual se pode conhecer a opulência do período, 204 anos depois.
Um dos principais pontos turístico da cidade, a Charqueada tem importância histórica e cultural: registra um tempo e um modo de vida, informa e restitui o passado, reapresenta um Rio Grande do Sul que não mais existe, embora reverbere ainda em nomes, ruas, livros, poemas e registro jornalísticos parte de seus acontecimentos ali ocorridos. Vale a pena conhecer esse europeu/brasileiro, navegador sul-americano, republicano farroupilha, charqueador pelotense. Um homem à frente de seu tempo como alguns que conhecemos e nem sempre, admiramos no tempo certo.
Obrigada


Referências:
CESAR, Guilhermino. História da Literatura do Rio Grande do Sul (1737-1902). Porto Alegre: Editora Globo, 1956.
SAINT-HILAIRE, Auguste. Viagem ao Rio Grande do Sul (1820-1821). Porto Alegre: Martins Livreiro Editor. 2002.



[1] No capítulo III de “História da Literatura do Rio Grande do Sul (1737-1902)”, intitulado “Dos precursores ao início da literatura escrita”, entre as páginas 65 e 116, Guilhermino César apresenta traços biográficos dos primeiros rio-grandenses autores de livros impressos. Entre eles, o Antônio José Gonçalves Chaves e suas Memórias Ecônomo-Políticas.
[2] A 1ª, 2ª e 3ª foram publicadas na Tipografia Nacional no Rio de Janeiro, em 1822; a 4ª, idem, em 1823 e a 5ª, na Tipografia de Silva Pôrto e Companhia, no Rio de Janeiro, 1823.
[3] Nas palavras de Gonçalves Chaves: “em toda esta província até 1820 havia uma única sala de Latim, a de Porto Alegre, que não havia uma escola de primeiras letras paga pelo Estado em toda a Província. Em 1821 abriu-se uma aula de filosofia racional em Porto Alegre, e duas de Latin: no Rio Grande e no Rio Pardo. E as aulas de primeiras letras que se mandavam criar nas freguesias, ninguém as tem querido? Porque o honorário é só de 100.000 e com menos de 400.000 não se pode achar um mestre”.

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