Olá! Um "Alfabeto à Parte" foi criado para pensar sobre a leitura literária na escola e na formação de professores.
terça-feira, 24 de abril de 2012
ABECEDÁRIO: O que é isso?
Um abecedário é um gênero literário da Literatura Infantil com características lúdicas Bordini (2011). Abecedários, cartas de ABC e silabários foram utilizados para ensinar a ler e escrever nas escolas brasileiras até meados do século XX. Segundo Frade (2010), Cartas de ABC são materiais que ainda circulam, mas em circuitos paralelos ao da escola, pois esta é a guardiã das formas de transmissão da cultura escrita.
De acordo com BOTO (2004, p.495), o termo cartilha constitui um desdobramento da palavra “cartinha” que, por sua vez, era usada para identificar aqueles textos impressos cujo propósito explícito seria o de ensinar a ler, escrever e contar. Apresentavam usualmente o abecedário, a construção das palavras e suas subdivisões, alguns excertos simples com conteúdos moralizadores, quase sempre precedidos de excertos de orações ou de salmos. Ao lado, a imagem de Meu ABC, de Erico Verissimo (1936).
A palavra cartilha, remonta às situações corriqueiras e freqüentes: até o século XIX, boa parte dos textos escritos que as crianças traziam de casa para utilizar na escola eram manuscritos; dentre esses, as cartas eram uma fonte privilegiada... Muitos eram os meninos e meninas que, em Portugal, aprenderam a ler inicialmente mediante a leitura de cartinhas... À semelhança e por analogia, elabora-se – para os primeiros textos impressos com a finalidade alfabetizadora – a expressão “cartinha de leitura”. Daí vem a “cartilha”.
Cartilhas, manuais escolares ou livros didáticos integraram o conceito de escolarização e podem ser considerados partícipes do universo cultural da escola e mesmo da sociedade como um todo. Um dos exemplos é a longevidade da cartilha Arte da Leitura do poeta português João de Deus, a primeira a ser utilizada no Brasil (MORTATTI, 2000). Em seu conteúdo, letras, sílabas, palavras e poemas em uma ordem diferente da alfabética. Ao final, um texto poético mais longo e tabelas de adição, subtração, multiplicação e divisão. Foi adotada nas escolas públicas do Brasil desde 1876 (MORTATTI, 2000) e no RS, editada em Porto Alegre pela Editora Selbach.
Para Ferreira (2008, p. 35), o livro didático é “depositário de um conteúdo que, antes de tudo, tem o papel de transmitir às jovens gerações os saberes e as habilidades que, em uma dada área e um dado momento, são julgados indispensáveis à continuidade de uma sociedade”. Para a estudiosa, “trata-se, ao mesmo tempo, de um instrumento ideológico, pedagógico e socializador” e, por ser um “instrumento do universo cotidiano da vida escolar, a produção desse material atinge educadores, alunos e familiares, autores, editores, intelectuais e autoridades políticas. Se, para o Estado, a organização e monitoramento dessa produção representa o controle ideológico, para as editoras, os livros didáticos são produtos economicamente rentáveis” (FERREIRA, 2008, p. 35). E para o professor, o que significa o livro didático? Ele pode ser um produto de seu projeto pedagógico?
Um abecedário com minha turma!
Como organizar um abecedário?
Um abecedário pode ser construído na sala de aula, desde que a professora tenha como pressuposto o vínculo com a cultura escrita, ou seja, que acredite que tudo que diz respeito à escrita pode ser conhecido.
As crianças, quando nascem, quase sempre estão inseridas em uma família. Esta tem endereço, vive em um bairro de uma cidade ou mesmo em uma localidade na zona rural. Esta cidade ou localidade se situa em um Estado e, este, em País. Esse país, no caso o Brasil, tem uma constituição e, através dela é que são estabelecidas formas de vínculo com o mundo em sociedade, inclusive os vínculos com a palavra escrita. Desse modo, nenhuma família é desprovida de laços com esse mundo. Nenhuma família via apartada dos vínculos com a escrita, pois, desde a mais tenra idade, temos documentos de pertencimento a esse mundo, firmados através da palavra escrita.
Exemplo: as crianças têm um nome, devem ser registrados, em alguns casos são batizados, são matriculados na escola, entram em contato com narrativas desde cedo em suas famílias, em contato com materiais escritos em diferentes fontes (livros, jornais, contratos, certidões, encartes, rótulos, placas, receituários, embalagens, bilhetes, correspondências...) e, mesmo que ainda não saibam ler, não ignoram o valor da escrita. Especialmente pela prática dos adultos ou mesmo outras crianças que as cercam. Desse modo, através de relações com a escrita que são comuns – como a matrícula na escola, por exemplo – e mesmo outras que são específicas de um grupo, podemos conhecer cada uma das crianças que estão na minha sala de aula. Podemos conhecer seus nomes e história. É desse material que surgirá o abecedário.
Ordem alfabética: o arbitrário convencionado
Um abecedário deve, necessariamente, obedecer à ordem alfabética que, convencionada, inicia no A e termina no Z. Como explicar a ordem alfabética?
Uma ordem arbitrária não depende de nenhum julgamento de valor, é apenas uma escolha para organizar. Por isso, ordem. Arbitrária para garantir a convenção, ou seja, todos seguem a mesma ordem e, desse modo, os dicionários são iguais. Na sala de aula, vamos nos inserir nessa ordem, reproduzi-la apenas. Para reconstruir ordem, devemos elaborar e realizar questões.
O que eu descubro com isso? Valor sonoro de cada uma das letras e/ou fonemas e/ou sílabas, valor posicional da letra/sílaba/fonema na palavra, quantidade de letras, combinações possíveis, impossíveis, arbitrariedade no caso de nomes próprios, entre outras coisas.
As perguntas que se deve fazer, entre outras, são: Como se lê? Qual a primeira letra? E a última? Quantas letras têm o nome? Há iguais? Quais? Quem tem nome igual? Parecidos? Diferentes? Quantas letras/sílabas são iguais? Quantas são diferentes? Quais? Desse modo, recomponho a ordem alfabética afirmando-a e utilizando-a para determinados objetivos. Podemos também, inverter a ordem, afirmando que o valor do sujeito não depende da ordem alfabética, que esta é apenas uma convenção utilizada para que todos se entendam no mundo da escrita.
Como descobrir o nome da cada criança?
Para um professor é fácil, basta ter a lista dos matriculados.
No entanto, se pretendemos ensinar às crianças como se descobre, investiga, captura esse nome na própria família, devemos dar pistas. Como?
Perguntando: Sabe onde seu nome pode estar escrito? Conhece a pessoa que o escolheu? Sabe o motivo da escolha? Conhece outra pessoa com o mesmo nome na família ou mesmo na vizinhança? E assim por diante...
Então, certidão de nascimento, carteira de vacinação, livro do bebê, carteirinha do dentista, do médico, do plano de saúde, do clube, da biblioteca, ou mesmo a vinda de uma mãe, pai, tia, madrinha ou avó à escola, com o intuito de contar a todos a escolha do nome da criança pode ser a fonte de descoberta da escrita do nome. Os documentos ou mesmo presença de alguém da família podem ser acionados para a escrita de referência, no caso, o crachá que a criança vai passar a portar, até que todos a conheçam e saibam escrever seu nome.
Os pais podem ser consultados, podem ser depoentes, mas o material escrito é a fonte mais importante. Por quê?
Vincula a criança com a fonte escrita e ensina a procurar outras coisas pela generalização.